Areia Branca
Com a crise da COVID só temos que agradecer a Deus
Os contactos com o Governo Provincial de Luanda têm sido infrutíferos para prover habitação ou uma vida condigna a toda a gente que mora no Povoado da Areia Branca: homens, mulheres, idosos, crianças, pisando estacas de madeira sob os detritos que vêm das casas de gente com mais sorte ou mais bem-nascida.
A história dos desalojados da Areia Branca foi revelada em janeiro de 2020, quando a SIC e o Expresso viajaram até Luanda integrados no Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação ICIJ, e nos deram a conhecer esta comunidade de milhares de pessoas, espoliadas das suas terras e das suas vidas em razão de um negócio imobiliário envolvendo empresas ligadas a Isabel dos Santos e uma empresa imobiliária holandesa, a Van Oord, e a KPMG Portugal, que atuou como consultora do projeto, destinado a criar um resort turístico .
O projeto da Marginal de Corimba, avaliado em 600 milhões de euros, nunca se concretizou. Segundo Isabel dos Santos, dona da promotora Urbinveste, nada foi pago nem construído, tratando-se simplesmente de uma estrada num aterro em cima do mar.
Mas a vida das gentes da Areia Branca transformou-se por completo, agora habitando lugar nenhum que possa chamar seu, invisíveis para quem cruza a estrada a caminho da Ilha de Luanda reféns da sua má sorte.
Quando informaram a comunidade dos projetos de desenvolvimento ninguém se opôs, assegurado que estava o realojamento dos mais de quinhentos núcleos familiares que ali viviam na pobreza, contando apenas com os parcos recursos trazidos pela pesca artesanal e pela venda ambulante nas ruas de Luanda.
Como nos conta Talita Miguel, coordenadora da Comissão de Moradores, o povo da Areia Branca, feito quase exclusivamente de pescadores e zungueiras, aceitou deixar as suas casas pacificamente. Mas à falta de destino insurgiu-se, e foi punido.
Sete dias na língua de terra rodeada pelo mar a sofrer a brutalidade de quem decidiu tirá-los dali à força, e mais dois meses em terra firme acampados em frente de uma igreja rezando para que os salvassem. Até que lhes apontaram aquele baldio onde ainda estão até agora para refazer a vida.
Três anos depois da expulsão, o Governador de Luanda, Hegídio Carneiro, veio ao povoado prometer albergar as mais de 500 famílias nos Zangos.
Nas palavras de Talita, “com a crise da COVID só temos que agradecer a Deus” porque quando em Portugal angustiávamos pelos efeitos da crise pandémica, no Povoado agradecia-se a Deus pela ajuda que chegava pelas mãos de organizações da sociedade civil financiadas para prestar ajuda humanitária neste tempo tão extremo.
Com a COVID-19, o Povoado teve acesso a comida e tratamentos médicos que escassearam desde 2013 até agora, e foi dada às as suas muitas crianças doentes e subnutridas uma possibilidade de futuro.