Na sequência de mais uma notícia, envolta em polémica, a propósito da escolha da Procuradora Carolina Berhan da Costa para o DCIAP, pouco mais de um ano depois de ter sido nomeada para o Gabinete da Ministra da Justiça, onde exerceu funções de Adjunta, decidimos investigar o número de magistrados ocupando cargos no atual Governo e no anterior.

O Estatuto dos Magistrados Judiciais não impede que juízes e procuradores do Ministério Público transitem para cargos no Governo ou que retornem às suas funções originárias depois do exercício de funções governativas, mas esta é mais uma porta giratória que vem levantando muitas inquietações éticas.  A captura do poder judicial pelos interesses políticos coloca em risco a separação de poderes, princípio fundamental da democracia e do Estado de Direito.

Em dezembro de 2019, em artigo na revista Visão, o juiz desembargador Manuel Ramos Soares, presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP), corporizava o incómodo da classe com a nomeação de juízes para cargos de confiança política no governo.

Quando uma pessoa, sendo juiz, transita imediatamente para a função governativa, pode ser útil para o exercício dessas funções, mas não é útil para a perceção de independência, sobretudo quando regressa aos tribunais.
Manuel Ramos Soares
Presidente da Associação Nacional de Juízes Portugueses

No Compromisso ético dos juízes portugueses – um dos documentos estratégicos da ASJP, publicado em 2009, o imperativo de independência e imparcialidade dos juízes relativamente a outros órgãos de soberania foi exaltado em parágrafos sucessivos, podendo ler-se por exemplo que, “sem prejuízo das situações legalmente previstas, o juiz, para preservar a sua independência e imparcialidade, rejeita a participação em atividades políticas ou administrativas que impliquem subordinação a outros órgãos de soberania ou o estabelecimento de relações de confiança política“.

No documento, lê-se ainda que “a independência do poder judicial e dos juízes e a separação face aos outros poderes do Estado não constitui um direito próprio, mas uma garantia dos cidadãos e uma obrigação do Estado”.

Esta não é uma situação é inédita. Lembremo-nos, por exemplo de Laborinho Lúcio, juiz e ministro num governo PSD nos anos 1990. No entanto, mais de 10 anos  volvidos da publicação desta declaração de princípios da ASJP, o Governo continua a integrar magistrados em velocidade de cruzeiro, aumentando inclusivamente o número de juízes e procuradores do Ministério Público sob a sua alçada.

MAGISTRADOS NO GOVERNO 2015-2021

Na pesquisa simples que realizámos, conseguimos encontrar, a partir de novembro de 2015, 23 nomeações de magistrados para os cargos de Ministro, Secretário de Estado, Chefe de Gabinete, Adjunto e Diretor-Geral.

Não se tratando de uma investigação exaustiva, estes números não deixam margem para dúvidas.

Estes números e a notícia de que uma adjunta da Ministra da Justiça foi colocada no DCIAP, a unidade do Ministério Público que tem em mãos várias investigações a políticos, incluindo membros do governo, causa preocupação.
Susana Coroado
Presidente da Transparência e Integridade
Que procedimentos existem dentro do sistema judicial que permitam detetar conflitos de interesse e garantir que os magistrados que ocuparam cargos de confiança política não lidam com casos que envolvem políticos?

Esta é uma resposta que os Conselhos Superiores da Magistratura e do Ministério Público têm que dar aos cidadãos.
Susana Coroado
Presidente da Transparência e Integridade
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