Ilha Dourada
Ao longo dos anos a comunidade foi-se desagregando e perdendo a sua identidade, e hoje é feita de sobretudo de famílias monoparentais lideradas por mulheres
À semelhança do que se passou na Areia Branca, também os desalojados da Praia do Kilombo, uma pequena ilha na Chicala junto à Baía de Luanda, foram deslocados por pressão de investimentos imobiliários, desta feita protagonizados pela SODIMO, uma empresa que vem sendo associada ao ex-vice Presidente de Angola Manuel Vicente desde o caso 900 milhões.
O empresário luso-angolano Carlos São Vicente, ex-quadro da Sonangol e antigo presidente da Seguradora 3AAA, foi acusado em março de 2021 de vários crimes económicos, incluindo peculato, branqueamento de capitais e fraude fiscal.
Relatos da acusação na imprensa dão nota das suspeitas de um a um esquema de apropriação ilícita de rendimentos e lucros assente na transferência gradual da propriedade da empresa líder no mercado dos seguros de petróleo à revelia do interesse público.
Na AAA Seguros, a participação da Sonangol desceu de 100% para 10% em benefício de São Vicente, sem contrapartidas conhecidas, por determinação de Manuel Vicente, à época o Sr Petróleo.
Na sequência desta acusação, o Serviço de Recuperação de Ativos apreendeu vários imóveis, entre os quais uma residência no Condomínio Sodimo na Praia do Bispo, até então a funcionar como escritório de Manuel Vicente.
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Encontramos os deslocados da praia do Kilombo a mais de 100 kms de distância de Luanda, no município da Kissama.
Chamam a este local desde que ali chegaram em 2014 Ilha Dourada, sob a promessa de ter terreno e casa própria.
De acordo com notícias vindas a público, a SODIMO, sociedade de desenvolvimento imobiliário, foi criada em 2001 pela Sonangol e pelo Banco Angolano de Investimentos para estabelecer um Novo Centro da cidade de Luanda junto ao mar.
Além da empresa petrolífera estatal e do Banco criado igualmente com fundos da Sonangol e onde detém participações altas figuras do regime de José Eduardo dos Santos, como Manuel Vicente ou Fernando da Piedade Dias dos Santos “Nandó”, Presidente da Assembleia Nacional, integram a estrutura societária da SODIMO:
– a SUNINVESTE, conhecida como o braço financeiro da Fundação José Eduardo dos Santos (FESA,
– a SOMMIS, que teve como acionista fundador Manuel Vicente e passou depois para as mãos de Ismael Diogo, ex-Presidente da FESA, que está no radar da PGR angolana desde 2018, por suspeitas de burla, desvio de fundos e corrupção ativa num processo relacionado com fraudes financeiras ligadas ao Conselho Nacional de Carregadores (CNC)
– e as consultoras SANSUL e DAR ANGOLA. A primeira pertence à GEFI, a holding do MPLA que controla as mais de 60 empresas ligadas ao partido. A segunda do libanês Ramzi Klink, durante décadas responsável pela fiscalização das obras públicas do estado Angolano e de quem se diz ser muito influente junto do ex-Presidente Zedú.
O projeto a desenvolver pela SODIMO, estimado em 50 milhões de dólares, abrangia as zonas da Chicala e Mausoléu Agostinho Neto, numa área total de 860 mil metros quadrados.
Para efeito, o governo firmou com a empresa um contrato de concessão de direito de superfície pelo prazo de 60 anos, renováveis, ficando a SODIMO responsável pela indemnização ou realojamento das famílias expropriadas.
A intervenção prevista para a Praia do Kilombo, a construção de uma marina, assim como o Novo Centro da cidade de Luanda, não foram completados, mas os residentes saíram em 2014.
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Primeiro ficaram em tendas de campanha, enquanto se iniciavam os trabalhos de construção das instalações de apoio ao novo bairro: mercado, escola e posto médico, tanques de água e geradores.
Depois chegaram as casas pré-fabricadas, mas as empresas responsáveis vieram num pé e foram noutro, sem concluir sequer um terço das habitações necessárias.
As tendas rasgaram-se e a Comissão de Moradores, hoje assumida por Ladislau Resende, reclamou junto da administração, que, sem soluções, acabou entregou às famílias deslocadas chapas, barrotes e um lote de terra para que construíssem as suas casas de chapa com as próprias mãos.
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Ao longo dos anos a comunidade foi-se desagregando e perdendo a sua identidade.
Quando viviam na praia, elas dedicavam-se ao serviço doméstico ou zungavam, e eles à pesca.
Quando viviam na praia o tempo era outro, sem o vento e as chuvas constantes, e não havia nem cobras nem lacraus a colocar em perigo de vida as suas quase 200 crianças.
Os homens foram partindo à procura de sustento, descendo à cidade para vender o que encontrassem ou novamente à pesca, e muitos já não voltaram.
E é por isso que na Ilha Dourada encontramos sobretudo famílias monoparentais lideradas por mulheres. Dedicam-se às colheitas, mas como não têm experiência na atividade agrícola, são as que menos recebem entre as trabalhadoras rurais do município.
Ante as dificuldades, há muito poucas alternativas. E a prostituição é uma delas.