Milhões em Contrarrelógio

JMJ LISBOA 2023

A poucos dias do início da Jornada Mundial da Juventude em Lisboa (JMJ Lisboa 2023) publicamos um dashboard de visualização dos contratos públicos realizados para receber o evento de promoção da Igreja Católica dirigido aos mais jovens, e que contará com a visita oficial do Papa Francisco. A este propósito atualizámos o Transparência Hotspot, a plataforma de dados abertos de contratação pública da TI Portugal. O objetivo é promover o escrutínio sobre o investimento realizado para apoiar este evento, estimulando dessa forma a boa utilização dos fundos públicos e a maximização dos seus impactos, prevenindo a corrupção e a fraude.

"Tratando-se de investimento público, é fundamental existir total transparência sobre os gastos efetuados para organizar a Jornada Mundial da Juventude em Lisboa, e dos critérios utilizados para ponderação do seu custo-benefício. Ou seja, publicar toda a informação relevante, fazer uma avaliação criteriosa das necessidades, promover estudos de impacto e adotar os mecanismos devidos de prevenção da corrupção e fraude.”
Nuno Cunha Rolo
Presidente da TI Portugal
INVESTIMENTO PÚBLICO NA JMJ

Até 10 de julho, a pesquisa no Portal Base devolveu aquisições realizadas no contexto da Jornada Mundial da Juventude no valor global de 33 milhões de euros

Mais de 95% dos 33 milhões de euros em contratos extraídos do Portal Base resultam de contratos celebrados por apenas quatro entidades: Lisboa Ocidental SRU – Sociedade de Reabilitação Urbana E.M., S.A, Secretaria-Geral da Presidência do Conselho de Ministros, Município de Loures, e EGEAC – Empresa de Gestão de Equipamentos e Animação Cultural, E.M., S.A

À lista de topo juntam-se as Câmaras Municipais de Lisboa e Cascais, com pelo menos 10 contratos (todas as restantes entidades adjudicantes têm apenas 1 contrato), sendo estas 6 entidades responsáveis por mais de 90% dos contratos, num total de 97/106 contratos.

Quanto aos encargos assumidos ou a assumir pela Igreja, o modelo de autofinanciamento determina que o investimento será diretamente proporcional ao volume de donativos recebidos através da Fundação JMJ Lisboa 2023.

Tal como se encontra clarificado nos princípios de gestão financeira que norteiam a atividade desta fundação, “as despesas da JMJ serão cobertas pela participação dos peregrinos e pelo apoio de parceiros eclesiais e institucionais”, entre os quais, as Câmaras Municipais e o Governo. O último relatório e contas publicado online, relativo a 2022, dá nota da angariação de mais de 4,5 milhões de euros a título de donativos, representando um resultado líquido de mais de 3,5 milhões de euros a investir na Jornada.

“Os dados abertos, especialmente os de contratação pública traduzindo a despesa do Estado, são um instrumento de capacitação, quer do setor público, quer do setor privado, quer dos cidadãos em geral. Promover a publicação da informação dos contratos públicos em formato open data potencia a deteção de irregularidades e desvios, facilita a prestação de contas nas entidades públicas, aumenta a competitividade das empresas, e reforça os níveis de confiança dos cidadãos através da transparência.”
Karina Carvalho
Diretora Executiva da TI Portugal
Impactos económicos e sociais da Jmj

No orçamento inicial, Governo, Câmara Municipal de Lisboa e Câmara Municipal de Loures investiriam aproximadamente 81 milhões de euros, a que se juntariam mais de 80 milhões de euros atribuídos pela Igreja, nomeadamente através dos resultados da Fundação criada para agir como Comité Organizador Local (COL) da Jornada e a quem compete gerir as inscrições e a recolha de donativos.

Em janeiro de 2023, a propósito da polémica associada à construção do altar-palco para receber o Papa, o governo emitiu uma nota sobre a responsabilidade financeira do Estado com as Jornadas, fixada em 30 milhões de euros, a Câmara Municipal de Lisboa revelou igualmente o seu investimento, orçado em cerca 35 milhões de euros, e a Câmara Municipal de Loures fixou o seu investimento em 9 milhões de euros. Ambos os municípios recorreram a empréstimos para financiar os custos com as Jornadas: Lisboa pediu emprestado 15 milhões de euros, e Loures, 9 milhões de euros.

As resoluções do Conselho de Ministros associadas à JMJ Lisboa 2023, emitidas desde 2019, referem inegáveis impactos positivos nos planos económico, social e promocional de Portugal através da realização da Jornada, justificando desse modo o investimento público, associado, nomeadamente, à participação esperada de mais de um milhão de jovens católicos.

Depois do evento, Loures e Lisboa ficarão com uma frente ribeirinha do Tejo renovada, e o estudo comissionado à PwC, Portugal com o apoio técnico do Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG), dá nota de um impacto económico positivo.

TOP de compradores por preço contratual

  • Cerca de 85% do valor contratual extraído do Portal BASE foi atribuído a 10 empresas

    28 milhões (85%) dos 33 milhões de euros foram atribuídos às seguintes 10 empresas: Oliveiras, S.A.; PIXEL LIGHT Lda.; Alves Ribeiro, S.A.; MOTA ENGIL; MEO; Grupo Vendap; AVISTACIDADE; Engexpor; Sinalcabo e ENERRE. Mais de 23 milhões foram atribuídos apenas a 5 empresas: Oliveiras, S.A.; PIXEL LIGHT, Lda.; Alves Ribeiro, S.A.; MOTA ENGIL e MEO. Do top 10 de empresas contratadas (por preço contratual total), a Alves Ribeiro, S.A. e a MEO estão listadas no site da Fundação JMJ Lisboa 2023 como entidade parceira, e entidade parceira fundadora, respetivamente.

  • Setor da Construção moveu mais de 12 milhões de euros

    Os dados revelam que o setor da construção moveu mais de 12 milhões, ou seja, mais de 1/3 do total dos 106 contratos, e fê-lo em apenas 3 contratos com 2 empresas: Oliveiras, S.A., e MOTA ENGIL.

TOP Entidades Adjudicatárias mais premiadas

TOP de CPV por preço contratual

À incerteza sobre o valor total do investimento público, soma-se a incerteza relativamente ao número de participantes na JMJ Lisboa 2023, que continuam abaixo das expetativas.

Em fevereiro de 2022, Duarte Ricciardi, secretário-executivo da Fundação criada para agir como Comité Organizador Local (COL), assumia a incerteza sobre o número de participantes na JMJ Lisboa 2023 em resultado da pandemia COVID-19 (que também alterou a data do evento, inicialmente programado para 2022).

No início deste ano, estavam inscritos 400 mil jovens. Em abril, o plano de mobilidade e transportes desenhado para o evento estimava cerca de 1,2 milhões de participantes. No último dia de maio, a Fundação JMJ Lisboa 2023 comunicou 600 mil inscritos.

A 7 de junho, D. Américo Aguiar, Presidente da Fundação, apresentando o programa da Jornada no Vaticano, afirmou: “Estou convencido de que estamos a falar de um conjunto de jovens inscritos e não inscritos à volta de um milhão de participantes”.

Em comunicado publicado a 30 de junho, a Fundação JMJ Lisboa 2023 indicou que, “dos mais de 663 mil peregrinos inscritos logo na primeira fase e provenientes de 204 países, 480 mil prosseguiram a segunda fase de inscrição e, neste momento, há 313 mil peregrinos com inscrição finalizada”.

milhões em contrarrelógio

O anúncio de que Portugal acolheria a Jornada Mundial da Juventude foi feito a 27 de janeiro de 2019 a partir da Cidade do Panamá, e recebido em festa pelo Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa – “Conseguimos! Conseguimos, Portugal, Lisboa! Esperávamos, desejávamos, conseguimos” – tal como pode ler-se na nota distribuída pela Agência ECCLESIA, que afirmou Lisboa como tendo “condições únicas” para acolher o evento. A pandemia COVID-19 alterou a data do evento inicialmente programado para 2022, mas só em 2023, ou seja, mais de 4 anos volvidos, é que se realizaram a larga maioria dos contratos destinados à JMJ Lisboa 2023. 

Mais de ¾ dos contratos foram celebrados em 2023

Dos 81 contratos relativos a 2023, 67 foram celebrados através de ajuste direto.

No total de contratos extraídos, 82% foram realizados com recurso ao procedimento de Ajuste Direto Regime Geral.

Número de contratos por ano

Número de contratos por tipo de procedimento

A utilização do procedimento de Ajuste Direto está prevista no Orçamento Geral do Estado, que passou a contemplar um regime de exceção (Artigo 106.º) para contratos “que tenham por objeto a locação ou aquisição de bens móveis, a aquisição de serviços ou a realização de empreitadas de obras públicas e que se destinem à organização, programação, conceção e implementação da Jornada Mundial da Juventude 2023, incluindo as intervenções necessárias nos locais dos eventos e a eventual relocalização de instalações existentes”, permitindo “adotar procedimentos de ajuste direto quando o valor do contrato for inferior aos limiares referidos nos números 3 ou 4 do artigo 474.º do CCP”.

O artigo 474.º do CCP refere-se a Montantes dos limiares europeus, limiares estes consideravelmente mais elevados do que os estipulados para o regime normal de ajuste direto. O artigo 106.º da Lei n.º 24-D/2022 (OE2023) fundamenta cerca de metade dos procedimentos de ajuste direto consultados.

Os contratos celebrados no âmbito da JMJ Lisboa 2023 estão também dispensados da fiscalização prévia do Tribunal de Contas (TdC). O TdC anunciou entretanto que se encontra a fiscalizar cinco contratos para a Jornada Mundial da Juventude (JMJ), no valor de 41,6 milhões de euros, mas não adiantou mais detalhes.

prevenir a corrupção na contratação pública
“O ajuste direto é um procedimento de contratação pública válido, mas que deve ter uma utilização muito limitada, porque faz escalar os riscos de corrupção e pode empolar os preços, mas também porque o seu uso abusivo fere princípios basilares da contratação pública, nomeadamente a promoção da igualdade de oportunidades e da sã concorrência.”
Karina Carvalho
Diretora Executiva da TI Portugal

A contratação pública é uma área de elevado risco de corrupção e fraude, especialmente quando os contratos são formalizados com recurso a procedimentos não concorrenciais (por exemplo, ajustes diretos), os quais, como referido pelo Tribunal de Contas (TdC), podem amplificar significativamente o favorecimento de adjudicatários e potenciais conflitos de interesses, assim como o empolamento dos preços das obras, bens e serviços.

E é por isso que a TI Portugal se vem pronunciando contra as alterações ao Código dos Contratos Públicos (CCP), designadamente o aumento dos limites para a utilização de procedimentos não concorrenciais, como o ajuste direto.

Entendemos que, a pretexto da simplificação, a flexibilização e aceleração dos procedimentos administrativos de contratação pública escancaram a porta ao despesismo, ao favorecimento, ao clientelismo e à captura por parte de interesses privados.

Um estudo do Government Transparency Institute, publicado aquando do lançamento do Corruption Cost Tracker (CCT), uma ferramenta online que permite identificar riscos e custos de corrupção em processos de contratação pública e estimar o seu impacto nos preços, avança que os custos adicionais de um investimento público pouco transparente e capturado pela corrupção representam mais 10 a 20%. 

Outros estudos, citados pelo Banco Mundial e organizações de referência, estimam que práticas de suborno na contratação pública podem incrementar o valor dos bens, serviços ou trabalhos adquiridos entre 8% e 25%.

A eficiência das empresas e a qualidade de vida das pessoas dependem da boa governança das organizações, a começar pelas organizações públicas. Os custos de um investimento público pouco transparente e capturado pela corrupção são incalculáveis, no presente e no futuro. A resposta dada por Portugal aos desafios propostos pela Comissão Europeia (CE) ficou aquém das expetativas. Ainda que se devam assinalar progressos e aspetos positivos, a nossa performance neste domínio não satisfaz. Cabe por isso aos cidadãos e às empresas contribuir para que despesa pública seja boa despesa, apoiando a prevenção e a fraude.
A NOSSA INDEPENDÊNCIA NÃO TEM PREÇO

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