Luanda Leaks

Portugal foi responsável pelo branqueamento de fluxos financeiros ilícitos provenientes de Angola

Não podemos continuar insensíveis ao papel desempenhado por advogados, auditores, consultores, reguladores, decisores políticos, e inclusive empresários portugueses, na reprodução da miséria extrema em Angola por força da corrupção e de esquemas de lavagem de dinheiro.

Os documentos revelados por Rui Pinto – um especialista informático português atualmente a braços com a Justiça num processo que testa os limites legais da proteção de denunciantes em Portugal e na União Europeia (EU) – foram analisados pelos jornalistas do ICIJ durante meses, e os resultados da investigação parecem deixar poucas dúvidas sobre a mecânica da corrupção que permitiu a Isabel dos Santos fazer crescer a sua fortuna a ritmo estratosférico ao longo dos anos em que o seu pai liderou o destino deste país africano.

O caso detalhou igualmente a dimensão transnacional da teia de empresas obscuras usadas por Isabel dos Santos para aceder a capitais e branquear os seus proveitos, muitas delas sedeadas em paraísos fiscais.

Estes negócios fantasma foram realizados com a intervenção direta de um exército de peritos, incluindo portugueses, atuando como facilitadores do fluxo de capitais ilícitos provenientes de Angola.

Sociedades de advogados, como a Uría Menéndez Proença de Carvalho e a PLMJ, e empresas de consultoria como as multinacionais PwC, McKinsey, Boston Consulting Group, KPMG, Deloitte e EY são tidas como tendo facilitado e legitimado os negócios da angolana, e apoiado os  esquemas de evasão fiscal, ocultação de riqueza e lavagem de dinheiro, a troco de contratos milionários.

Após o escândalo, a CMVM – Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, abriu inquéritos sobre eventuais falhas nas obrigações profissionais de empresas de auditoria ligadas a Isabel dos Santos, tendo encaminhado para o Ministério Público (DCIAP) e Unidade de Informação Financeira da Polícia Judiciária (UIF) as irregularidades detetadas ao nível das obrigações de prevenção do Branqueamento de Capitais e Financiamento do Terrorismo (BCFT), e aplicado uma coima de 25 mil euros a uma das 9 auditoras visadas por incumprimento dos deveres de diligência devida relativamente a BCFT.

A CMVM não revela qual foi a auditora condenada, nem os processos remetidos para averiguação de ilícitos criminais, mas fica claro que, não só estas empresas facilitaram a entrada dos fluxos financeiros ilícitos trazidos por Isabel dos Santos, como a própria CMVM não exerceu proactivamente os seus deveres de supervisão estando em causa a atuação de revisores oficiais de contas profissionalmente ligados a uma Pessoa Politicamente Exposta (PEP).

Por outro lado, é também em Portugal que se encontram alguns dos principais ativos (conhecidos) de Isabel dos Santos fora de Angola.

No total, e de acordo com a investigação do ICIJ, em janeiro de 2020 Isabel dos Santos detinha participações em 169 holdings integrando 423 empresas espalhadas por 41 países. Portugal destaca-se claramente, acolhendo mais de 100 participações desde 2005.

Na sequência da exposição da teia de interesses de Isabel dos Santos, e com os pedidos de cooperação judiciária remetidos pela Ministério Público angolano, as suas contas bancárias em Portugal foram congeladas, bem como arrestadas as suas participações na Efacec, Nos, Galp e no Banco EuroBic.

Infografia: Rodrigo Machado/RR

Na sequência da exposição da teia de Negócios Fantasma de Isabel dos Santos, e com os pedidos de cooperação judiciária remetidos pela Ministério Público angolano, as suas contas bancárias em Portugal foram congeladas, bem como arrestadas as suas participações na Efacec, Nos, Galp e no Banco EuroBic.

Diferentes de outras participações, como nas 94 empresas tidas “de fachada” sedeadas em jurisdições sigilosas como Malta, Ilhas Maurícias e Hong Kong, os principais negócios portugueses da filha de José Eduardo dos Santos concentram-se em setores-chave da nossa economia – energia, telecomunicações e banca – e é justamente através destas participações que foi canalizando muito do dinheiro e ativos ilegalmente obtidos em Angola.