
TI Portugal avalia Programa de Governo: Progressos reconhecidos, mas lacunas significativas persistem na luta contra a corrupção
A Transparência Internacional Portugal (TI Portugal) analisou minuciosamente o Programa de Governo do XXIV Governo Constitucional nas áreas de transparência e combate à corrupção, confrontando-o com o seu Caderno de Encargos para as Eleições Legislativas de 2025. A avaliação revela um cenário misto: embora existam compromissos alinhados com as propostas da TI Portugal em áreas cruciais, como a regulamentação do lobby e a celeridade da justiça penal, o Programa de Governo omite ou trata de forma insuficiente muitos dos pilares essenciais para um combate efetivo à corrupção.
A TI-PT destaca cinco áreas de convergência significativa:
- Regulamentação do Lobby (Medida IV da TI Portugal: O Governo compromete-se com um registo obrigatório de lobistas e entidades representadas, alinhando-se com a exigência da TI-PT de maior transparência nas interações entre decisores públicos e grupos de interesse.
- Reforço da CReSAP e nomeações transparentes (Medida X): A proposta governamental de reduzir nomeações em substituição e dotar a CReSAP de maior agilidade converge com a necessidade de mérito e transparência nas nomeações para a Administração Pública.
- Consulta pública obrigatória (Medida XII): O compromisso do Governo em reforçar a consulta pública em processos legislativos e regulamentares reflete exatamente a proposta da TI Portugal de incentivar a participação democrática.
- Educação para a Integridade (Medida XVIII): A aposta do Governo na revisão das aprendizagens essenciais e consciencialização cidadã está em linha com a necessidade de formar gerações conscientes dos valores da transparência e ética.
- Eficiência da justiça penal (Medida XIX): A intenção do Governo de perseguir a celeridade processual e reduzir a prescrição nos crimes de corrupção converge com a urgência apontada pela TI Portugal de simplificar megaprocessos e eliminar expedientes dilatórios.
No entanto, a análise da TI-PT identifica nove omissões estruturais graves, que colocam em causa a eficácia do combate à corrupção:
- Estratégia Nacional Anticorrupção (Medida I): O Programa de Governo limita-se a “prosseguir” a Agenda Anticorrupção 2024, sem apresentar uma nova estratégia para 2030 com metas objetivas, indicadores mensuráveis e mecanismos independentes de fiscalização, como exigido pela TI Portugal. A ausência destas métricas compromete a avaliação dos progressos e a responsabilização do Governo.
- Independência financeira das entidades anticorrupção (Medida II): Embora o Governo mencione a “reforma institucional” do MENAC e da Entidade da Transparência, não se compromete com a autonomia orçamental nem com a dotação de recursos humanos adequados, pontos essenciais para o funcionamento eficaz destas entidades.
- Transparência legislativa abrangente (Medida III): O Governo apenas se compromete a registar a “pegada legislativa” do Executivo, sem incluir o Parlamento e as autarquias num portal centralizado, como proposto pela TI Portugal para um verdadeiro escrutínio público.
- Audições públicas para altos cargos (Medida VIII): O Programa de Governo não contempla a obrigatoriedade de audições parlamentares transparentes para nomeações como o Governador do Banco de Portugal, Procurador-Geral da República ou Presidente do Tribunal de Contas, um mecanismo fundamental para garantir o mérito e a integridade.
- Combate às “portas giratórias” (Medida IX): Não há qualquer referência a reforçar os regimes de impedimentos, inibições e fiscalização da mobilidade entre cargos públicos/políticos e o setor privado, uma das principais fontes de conflitos de interesse.
- Pactos de integridade na contratação pública (Medida XV): Apesar da importância destes mecanismos para prevenir a corrupção em grandes contratos, o Governo não os menciona, limitando-se a criar uma “lista negra” de fornecedores (artigo 55.º do CCP), uma medida insuficiente face à complexidade do problema.
- Revisão da Lei de Acesso à Informação (CADA) (Medida XVII): O Programa de Governo omite completamente o reforço dos poderes da CADA, nomeadamente a eficácia vinculativa das suas decisões e a capacidade de aplicar sanções, essenciais para garantir o acesso efetivo à informação pública.
- Transparência fiscal (Medida XXI): Não existe qualquer compromisso com a divulgação pública e fundamentada de benefícios fiscais, Projetos de Interesse Nacional (PIN) ou a Zona Franca da Madeira, áreas de elevado risco de opacidade e favorecimentos.
- Sanções dissuasoras (Medida XXII): Embora o Governo refira a necessidade de “repressão eficaz”, não detalha a revisão das molduras sancionatórias para garantir que as coimas sejam proporcionais à gravidade das infrações e tenham um efeito verdadeiramente dissuasor.
“É com preocupação que verificamos que muitas das propostas mais estruturais e ambiciosas da TI Portugal continuam omissas no Programas do Governo, apesar do apelo que fizemos a todos os partidos”, afirma Margarida Mano. “A ausência de metas claras na Estratégia Anticorrupção, a falta de independência das entidades de controlo, e a omissão sobre as ‘portas giratórias’ e a transparência fiscal são sinais de que o combate à corrupção continua a ser tratado de forma insuficiente. Portugal não pode continuar a ser um dos países da Europa Ocidental com pior desempenho no Índice de Perceção da Corrupção sem que medidas corajosas sejam tomadas.”
A TI Portugal conclui que, embora existam sinais positivos, o Programa de Governo não apresenta o salto qualitativo necessário para responder aos desafios sistémicos da corrupção em Portugal, sendo que eram esperados compromissos mais claros, monitorizáveis e ambiciosos nesta matéria.
A TI Portugal reafirma o seu compromisso em acompanhar e fiscalizar a implementação das medidas governamentais, reafirmando o sua disponibilidade para continuar a colaborar com as entidades publicas enquanto associação cívica independente e sem fins lucrativas empenhada no combate à corrupção e no reforço de maior integridade na governação publica.