Celebração do Dia Internacional Contra a Corrupção: Conferência “Anti-Corrupção e Boa Governação: O que falta fazer em Portugal?”

Decorreu no dia 9 de dezembro, Dia Internacional Contra a Corrupção, a Conferência “Anti-Corrupção e Boa Governação: O que falta fazer em Portugal?”, organizada pela TI Portugal, no Instituto de Ciências Sociais, da Universidade de Lisboa.

A cerimónia de abertura da Conferência contou com uma intervenção da Srª. Ministra da Justiça, Catarina Sarmento e Castro. A Srª. Ministra da Justiça fez um balanço do que já foi feito, está a ser desenvolvido e será o futuro do combate à corrupção em Portugal. “Encarar este flagelo é a prioridade do 23º Governo Constitucional e também da Ministra da Justiça”.

Em resposta à pergunta de lançamento desta Conferência, “O que falta fazer em Portugal”, a Ministra respondeu que “faltará sempre fazer muito, mas o muito que ainda faltará fazer não deve diminuir a relevância do tanto que vem sendo feito ou do que, já planeado, está prestes a avançar”. “Este Dia Internacional Contra a Corrupção também nos relembra que a corrupção não é um problema estritamente legislativo, mas é também um problema de mentalidades, de cultura e de prática a desenraizar, numa luta que deve ser travada pela sociedade como um todo”, concluindo com uma mensagem simples: “o governo conta com todos e com todas para juntos dizermos não à corrupção”.

No seguimento desta intervenção, o painel da manhã – composto por Alexandra Leitão (Deputada e Presidente da Comissão da Transparência da Assembleia da República), Mário Tavares da Silva (Vice-Presidente da Estrutura de Missão Recuperar Portugal) e Margarida Matos Rosa (Presidente da Autoridade da Concorrência) e com moderação de Karina Carvalho (Diretora Executiva da TI Portugal) – debruçou-se sobre o tema do combate à corrupção, na perspetiva institucional.

Alexandra Leitão iniciou a sua intervenção com uma síntese daquilo que são as competências e trabalho desenvolvido pela Comissão da Transparência da Assembleia da República: apreciar os possíveis conflitos de interesses dos deputados, analisar os pedidos de levantamento de imunidade parlamentar e instrução de processos de perda de mandatos.

Alexandra Leitão aproveitou também para aludir aos resultados do estudo “Ética e integridade na política: Perceções, Controle e Impacto”, da Fundação Francisco Manuel dos Santos, lançado dias antes, reforçando a ideia de que a “qualidade da democracia depende tanto da perceção que os deputados têm da corrupção, como também da forma como os deputados se comportam, e que o objetivo da Comissão da Transparência é a construção da confiança”. “Pôr em causa essa confiança é abrir caminho a derivas populistas” e que só se muda de paradigma com “a mudança do regime e não é assim” que se deve agir. Alexandra Leitão “tem receio de derivas populistas que consideram que está tudo mal e que é preciso uma Quarta República”. Para a Deputada e Presidente da Comissão da Transparência, o “sistema precisa de ser melhorado por dentro e não reformado por fora” e que existe uma linha ténue, que denominou de “gelo fino”, e que para esta não quebrar é necessário “separar os casos” que são divulgados nos meios de comunicação social e não “meter tudo no mesmo saco”, prejudicando casos em que não se justifica e não dando importância devida a outros em que sim, “se justifica”. “O dever dos titulares de cargos políticos é o de dar explicações”, sendo que não raras vezes a gestão dos conflitos de interesses é “complicada”, existindo dúvidas sobre o que é ou não considerado “dolo”.

Na segunda intervenção da manhã, Mário Tavares da Silva referiu que, para Portugal executar bem um PRR “muito ambicioso”, tem de se fazer uma gestão e controlo bastante eficazes e que o “ecossistema dos fundos europeus” permite saber para “onde vai a bússola da União Europeia em relação à corrupção”. Algumas formas de combater a corrupção passam, no entender de Mário Tavares da Silva, pela denúncia anónima, por organismos como o mais recente Mecanismo Nacional Anticorrupção (MENAC) – embora haja uma necessidade de ver como vai funcionar e “afinar” o que não for tão bem conseguido – mas também pela educação. Neste ponto, o Vice-Presidente da Estrutura de Missão Recuperar Portugal apontou como possíveis medidas a inclusão de módulos sobre ética e integridade nos currículos do 2º e 3º ciclos de escolaridade. Mário Tavares da Silva também considera ser importante olhar para as armadilhas dos “regimes de exceção e de contratação pública” e para temas como o do “Beneficiário Efetivo”, que “revelam a bipolaridade da governação europeia”, depois da decisão do Tribunal de Justiça da União Europeia sobre este tema, concluindo com uma consideração sobre os privados, que também têm de “ser convocados para a mitigação dos riscos da corrupção”.

Margarida Matos Rosa fechou este primeiro painel com uma intervenção centrada no trabalho que a Autoridade da Concorrência (AdC) tem vindo a desenvolver. Num contexto de recuperação económica e inflação, os orçamentos públicos estão sob pressão e, como tal, “não podemos desperdiçar recursos que deverão ser canalizados para a economia.” A contratação pública na economia portuguesa representa cerca de 10% do PIB e 20% da despesa pública, sendo que o sobrecusto dos cartéis tem um peso de 20 a 30% do valor dos contratos.

A Presidente da AdC falou também do papel da concorrência em contextos de inflação, como a que estamos a viver hoje, salientando que a atuação das Autoridades de Concorrência contribui para dissuadir e sancionar condutas ilícitas que poderiam agravar a inflação. Outro ponto que Margarida Matos Rosa fez questão de frisar foi o da existência de uma nova Plataforma de Denúncias da AdC – sendo que o Procedimento de Clemência “existe e funciona” – bem como do Grupo Informal para a Inovação e Eficiência na Contratação Pública, que reúne para partilhar experiência e perspetivas sobre a contratação pública em Portugal. Antes de terminar, Margarida Matos Rosa ainda fez questão de abordar várias investigações desenvolvidas pela AdC, especialmente relacionadas com quatro cartéis distintos: um em Concursos Públicos nos Serviços de Telerradiologia, outro no Fornecimento de Cabos de Muito Alta Tensão, um terceiro na Manutenção Ferroviária e por último, um Cartel em Concursos Públicos para o Fornecimento de Módulos Pré-fabricados para escolas.

Na parte final da sua exposição, Margarida Matos Rosa deixou-nos com uma ideia basilar: “o reforço da Concorrência é essencial para combater a corrupção”. 

Da parte da tarde, Delia Ferreira Rubio, Presidente da Transparency International (TI), deu início à sessão com uma intervenção focada no problema da corrupção e nos esforços que têm vindo a ser desenvolvidos pela Transparência Internacional para o combater. “A corrupção é um problema global que corrói a democracia”, começou por dizer Delia Ferreira Rubio. “A corrupção afeta a qualidade da representação, participação e inclusão nas nossas democracias” e atinge também “os nossos direitos, o nosso futuro, as nossas possibilidades, a nossa qualidade de vida”, acrescentando que “a luta contra a corrupção é a luta por um futuro melhor, é a luta pelo bem comum, é a luta pela criação de uma cultura de integridade”. Em resposta à pergunta lançada nesta Conferência, Delia Ferreira Rubio referiu que a TI tem vindo a trabalhar ao longo dos últimos 30 anos na preparação da “infraestrutura legal contra a corrupção” e será agora preciso colocar essa estrutura em ação, em conjunto com entidades públicas, privadas, organizações da sociedade civil, jornalistas, académicos e cidadãos.

De seguida, o painel debruçou-se sobre a questão do “Combate à Corrupção e Boa Governação: a perspetiva da sociedade civil”. O primeiro a intervir foi António João Maia, Presidente do OBEGEF, que referiu preferir a expressão “controlo da corrupção”, a usar a palavra combate. “Talvez seja uma utopia, mas vale a pena fazer alguma coisa, é o nosso interesse coletivo, todos temos efetivamente algo a ver com a corrupção e todos podemos fazer algo, denunciar, não olhar para o lado”. A lei é fundamental, mas é “preciso algo mais”, porque segundo António João Maia “somos todos vítimas e está na mão de todos podermos fazer algo para o controlo da corrupção”. Segundo o Presidente do OBEGEF, as escolas e as universidades têm um papel fundamental, para alertar e consciencializar os cidadãos, propondo a criação de disciplinas de ética em todos os cursos superiores.

Susana Coroado, Investigadora Associada no ICS-UL, mudou o foco e propôs um caminho diferente, insistindo que é “preciso acabar com a banalidade”. “Quando colocamos o ónus na nossa integridade, no indivíduo, temos um problema, porque nem todos são honestos e os padrões de ética não são semelhantes”. Aproveitando a ideia de António João Maia sobre o papel da educação, Susana Coroado discordou dizendo que “a educação não é solução, pois temos de perceber que o comportamento individual está num contexto específico”. A “vontade política” para combater a corrupção é algo que Susana Coroado não sabe “como se cria”. “Como eleitora, não sei como sinalizar a um partido, a um detentor de cargo político, como é que eu, como eleitora, lhe posso dar os incentivos certos ou errados.” Importa assim “estabelecer prioridades no país”. “Que sobressaltos cívicos ter primeiro?”, questionou Susana Coroado. Será necessário “pensar em sistemas de incentivos e desincentivos, as empresas vão ter de criar programas de cumprimento normativo”, no entanto isto levanta outras questões, pois “quais são os incentivos para criar uma cultura de integridade? Qual o incentivo que um político íntegro tem se vê que outro chegou ao topo das listas partidárias sendo corrupto? Até nas escolas, um aluno que vê o colega a copiar e não acontece nada vai querer fazer o mesmo. A consciência individual só resulta até certo ponto”.

No entanto, para Susana Coroado, a sociedade civil pode ter o “papel de denúncia”, mencionando o papel da Autoridade da Concorrência, sendo que o “incentivo da clemência cria um incentivo para a denúncia e melhor comportamento”, terminando com a ideia de que “é preciso que entidades como o Ministério da Justiça oiçam a sociedade civil e não apenas juristas”.

O último orador do dia, José António Cerejo, Jornalista de Investigação, começou por afirmar que “quase tudo está dito sobre corrupção”. “A corrupção vem de longe, as cunhas, os favores, as palmadas nas costas, e tem profundas raízes históricas e culturais”, considerando que a escola, “para uma perspetiva de futuro, é o essencial para a mudança de atitudes e sensibilidades”, distanciando-se assim da posição defendida por Susana Coroado. José António Cerejo rematou a sua intervenção neste painel com a ideia de que “a corrupção é uma emergência nacional e é preciso um sobressalto cívico, os indivíduos têm de exigir informações, denunciar, organizar campanhas de recolha de fundos, fazer apelos, fazer de tudo o que estiver ao seu alcance” para combater a corrupção.

A intervenção final desta Conferência esteve a cargo de Nuno Cunha Rolo, Presidente da TI Portugal, que, em resposta à pergunta “O que falta fazer em Portugal?”, respondeu afirmando que “as políticas devem ter um desígnio nacional, que seria reduzir o custo interno da corrupção a 0% do PIB”, elencando uma série de medidas que podem ser implementadas para combater a corrupção e a desconfiança dos cidadãos nos políticos e na qualidade do sistema democrático. É necessário, para Nuno Cunha Rolo, ser “mais ambicioso e mais aberto a partilhar boas práticas”, e seguir “políticas e estratégias baseadas em evidências”. “O governo tem sido minoritário em termos de anticorrupção e precisamos de um governo maioritário e muitas medidas podem ser tomadas já hoje”. Para concluir, o Presidente da TI deixou uma nota que considera fundamental: “nós (TI Portugal) gostaríamos de ter um governo maioritário em matéria de anticorrupção. Falta fazer o que já sabemos. Fazer o que está certo, mais e melhor”.

A Conferência “Anticorrupção e Boa Governação: O que falta fazer em Portugal?”, esteve incluída na programação do Festival Transparente 2022. Poderá assistir à Conferência completa em breve, no canal de YouTube da TI Portugal