Desrespeito governamental pelas competências da CReSAP coloca em causa existência da entidade

O recurso pelos governantes às nomeações de dirigentes superiores públicos em regime de substituição mina a independência, transparência e credibilidade da CReSAP – a entidade administrativa independente que avalia os candidatos a cargos de direção e gestão de topo na Administração Pública, como os de diretor-geral, subdiretor-geral, secretário-geral, secretário-geral adjunto, inspetor-geral e inspetor-geral adjunto, entre outros.

A independência, porque, o conhecimento prévio da preferência do Governo por um novo nomeado-substituto, mais a mais antes de o processo começar (note-se que há sempre a possibilidade de se recorrer a uma solução interna), condiciona quer os membros do júri da CReSAP, quer o processo de recrutamento e seleção, quer ainda a perceção da opinião pública sobre o trabalho e juízo destes.

A transparência, porque tal condicionamento, não condizente com o estatuto e competências que foram conferidas à CReSAP, colide com a exigência de objetividade e imparcialidade aplicável às funções, sobretudo avaliativas, desta entidade.

A credibilidade, porque, perante esta ordem de factos consumados, e estando o novo nomeado-substituto a exercer as (novas) funções, descredibiliza a avaliação e respetivo processo de recrutamento e seleção a realizar por esta entidade independente, sendo qualquer decisão que adote percecionada como uma decisão ferida de isenção ou objetividade, sobretudo se não excluir o novo nomeado-substituto da referida shortlist.

Esta reflexão surge a propósito da nomeação da chefe de gabinete de Fernando Medina, na Câmara Municipal de Lisboa, para a presidência da Agência para a Modernização Administrativa, alegando carácter de urgência, apesar de o lugar permanecer por ocupar desde fevereiro de 2019.

É certo que, a montante, cabe sempre ao membro do Governo definir os perfis dos candidatos ao cargo e dos seus titulares, e a jusante, a escolha dos candidatos selecionados pela CReSAP, agrupados na denominada de “short list”.

Porém, não é menos verdade que promove uma perceção pública sobre estes processos e sobre o papel e valor da CReSAP, de raiz inquinados pela nomeação bypass governamental, permitido pela engenhosa tecnicalidade do regime de substituição, que colide e corrói o interesse público e aquilo que subjazeu à criação, e é ainda hoje a missão, da CReSAP:  “promoção do reconhecimento do mérito profissional, da credibilidade e do bom governo”.

Se compete à CReSAP ser um primeiro filtro nos processos concursais de recrutamento e seleção dos “melhores” candidatos para cargos de direção superior da administração central do Estado ou para cargos a estes equiparados, com vista a serem nomeados pelos governantes, não faz sentido a existência deste bypass governamental às competências daquela entidade administrativa, sob pena de o seu destino ser um de dois: a reforma ou a extinção.

Nuno Cunha Rolo, vice-presidente da Transparência e Integridade