
Fraude Tributária: é imperioso avançar da Estratégia da Prevenção para a Ação
O relatório apresentado pela AT sobre o combate à fraude e à evasão fiscais e aduaneiras de 2024, indica um expressivo aumento de denúncias/participações registadas se comparados os números registados em 2015.
Este aumento, indissociável de um ciclo onde os mecanismos de denuncia evoluíram e passaram a ser integrados nas vidas das organizações, traduz, ainda assim, um aumento que é importante analisar em várias perspetivas. Se por um lado pode traduzir uma maior consciência da importância da denuncia, enquanto afirmação cívica que amplia aparentemente o crescimento da fraude, por outro lado, parece revelador que os desafios que se colocam hoje à sociedade portuguesa, em termos de utilização de fundos europeus, obrigam a uma maior prudência e rigor nos critérios técnicos mas também éticos e nos mecanismos de controlo criados, num contexto perfeitamente insólito..
Neste contexto, importa destacar os alertas da TI PT em termos de riscos da contratação pública. Também o Think Tank – Risco de Fraude nos Recursos Financeiros da União Europeia, que a TI PT integra, tem pugnado por chamar a atenção para estas temáticas. O estudo efetuado pelo TT analisou os programas QREN e Portugal 2020 e revelou inúmeros casos de irregularidades. Contudo, a taxa de confirmação de fraude foi baixíssima — não por ausência de indícios, mas por falta de articulação institucional e dificuldades no cruzamento de dados entre entidades públicas. Esta realidade demonstra que o sistema ainda é pouco eficaz na prevenção.
É precisamente essa lógica preventiva que o legislador procurou fomentar com o Regime Geral de Prevenção da Corrupção (RGPC), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 109-E/2021, de 9 de dezembro. Este diploma criou o Mecanismo Nacional Anticorrupção (MENAC) e impôs a entidades públicas e privadas a adoção de programas de prevenção da corrupção e das infrações conexas. Estão abrangidos nestes programas, para além de várias obrigações, disponibilizar um canal de denúncias. Esta obrigatoriedade também alcança a AT que poderá com o aumento da cultura e confiança nestes canais, ver este número de denúncias alcançar novos recordes.
E para dar mais garantias aos chamados denunciantes, que muitas vezes se abstêm de realizar a denúncia com medo de sofrer retaliação, temos o Regime Geral de Proteção de Denunciantes de Infrações, transpondo a Diretiva (UE) 2019/1937 do Parlamento Europeu e do Conselho. E assim, mais uma norma com foco na prevenção.
A Estratégia Nacional Antifraude, destaca a necessidade de reforçar a cooperação interinstitucional e promover a partilha segura e ágil de dados, criando canais que permitam a deteção precoce de riscos e padrões de fraude. Esta estratégia coloca no centro a prevenção, com a criação de sistemas tecnológicos interoperáveis, a capacitação dos recursos humanos e a articulação entre a AT, a Inspeção-Geral de Finanças, a Polícia Judiciária, o Ministério Público e outras entidades relevantes.
De entre as medidas concretas propostas, pelo Grupo de Reflexão da PGR – Think Tank , que vão ao encontro do espírito do RGPC, em particular ao nível da prevenção. destacam-se:
– Reforçar a interoperabilidade entre sistemas e bases de dados;
– Criar mecanismos de alerta precoce;
– Capacitar os recursos humanos em técnicas de deteção e prevenção de fraude;
– Incentivar a colaboração entre entidades públicas e o Ministério Público desde a fase inicial da análise de risco.
Portugal tem feito um percurso significativo em termos de enquadramento legislativo no que se refere á prevenção e ao combate à corrupção e à fraude, pese embora ainda existirem fragilidades notórias. O momento é de agir, e para tanto será preciso viabilizar os recursos humanos e tecnológicos para que o objetivo legal seja satisfeito.
Num momento em que a confiança nas instituições públicas é frágil, é essencial que o combate à fraude — seja ela tributária ou de outra natureza — deixe de ser meramente simbólico e passe a ser estratégico, contínuo e transparente.
A Complexidade da Fraude Tributária exige Interoperabilidade e Cooperação
O combate à fraude tributária, cada vez mais sofisticada e estrutural, exige que os sistemas de informação públicos sejam verdadeiramente interoperáveis, permitindo o cruzamento célere e eficaz de dados entre entidades. Exige ainda recursos humanos capacitados para o escrutínio eficaz, com auditorias regulares e transparentes, com prazos definidos para entrega de relatórios e para a publicidade dos mesmos.
A falta dessa interoperabilidade, impossibilita a deteção atempada de riscos e esquemas fraudulentos. É, por isso, essencial promover uma cultura institucional assente na cooperação, na transparência e na partilha inteligente de informação. Só assim será possível antecipar fraudes complexas, desmantelar redes organizadas e proteger, de forma eficaz e duradoura, o património público.