Operação Marquês ou o futuro da corrupção em Portugal

Foi com grande surpresa que assistimos à leitura da decisão instrutória do processo Operação Marquês. O despacho coloca em causa, de forma demolidora, todo ao trabalho de investigação do Ministério Público e do Juiz de Instrução que a acompanhou.

Obviamente, é perfeitamente natural que um juiz de instrução discorde da acusação do Ministério Público em vários pontos e reverta parte ou até a totalidade das acusações, por considerar haver nulidades processuais ou não estarem reunidos indícios de prova suficientes. O papel do juiz de instrução é precisamente escrutinar o trabalho do Ministério Público. O que é surpreendente neste caso é haver uma discrepância tão vincada, irreconciliável mesmo, entre a interpretação do Ministério Público e a do juiz de instrução dos mesmos factos.

Consideramos por isso que é uma decisão muito grave, que terá inevitavelmente consequências no modo como se tratarão judicialmente os casos de corrupção. É contudo prematuro avaliar que consequências serão essas, uma vez que o processo não se conclui aqui: o Ministério Público já anunciou o recurso para o Tribunal da Relação, a quem caberá agora dar um veredicto.

No entanto, as decisões judiciais subsequentes não julgarão apenas teor desta decisão instrutória da Operação Marquês, mas tornar-se-ão necessariamente um marco e um esclarecimento sobre como serão investigados e julgados casos de corrupção em Portugal no futuro.

Nunca deixando de atentar à especificidade de cada caso e à autonomia de cada juiz, a justiça tem que ser previsível e pautar-se por padrões consolidados e partilhados pela comunidade.

É por isso fundamental que as instâncias superiores clarifiquem e consolidem jurisprudência nos seguintes aspetos:

  • Prazos de prescrição de crimes: como, objetivamente, se calculam os prazos e a interrupção dos casos de prescrição, sobretudo em casos de corrupção continuada ao longo do tempo, como a alegada pela acusação?
  • Produção de prova: o que configura prova num caso de corrupção? Quais são os limites da prova indiciária?
  • Sorteio de juízes: não foi a primeira vez que esta questão se colocou, mas não é possível continuar a ter suspeitas sobre os sorteios, em particular ao fim de tantos anos de processo.

Se estas questões não forem devidamente esclarecidas, corremos o risco de nunca se conseguir punir a corrupção em Portugal; de a mesma se tornar sistémica e ocorrer à frente dos nossos olhos, sem que a consigamos conter ou sequer prevenir.

Na Transparência e Integridade, defendemos até ao fim o Estado de Direito e não lhe vislumbramos alternativa legítima. Os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos têm que ser sempre assegurados. Mas isso inclui que, num Estado assente no primado da lei, a impunidade não pode prevalecer, sob pena de causar alarme social e um total descrédito na justiça, com consequências devastadoras para o funcionamento da democracia e da vida em sociedade.

Gostaríamos de afirmar que aguardamos serenamente os futuros desenvolvimentos deste caso. Infelizmente, aguardaremos sim, mas com bastante inquietação.

Ainda assim, continuamos juntos contra a corrupção. Em defesa da democracia.