Seminário GADI: “Meios e mecanismos da corrupção e dos crimes financeiros em Portugal – a visão de um jornalista”

Decorreu ontem, no nosso Centro Transparente, o Seminário GADI sobre os “Meios e mecanismos da corrupção e dos crimes financeiros em Portugal – a visão de um jornalista”.

Este Seminário GADI, excecionalmente em formato presencial e aberto a todos os interessados, teve início pouco depois das 18h30 e contou com António José Vilela (Diretor-adjunto da Revista Sábado) como orador convidado.

Após o período de apresentações, Nuno Cunha Rolo, Presidente da TI Portugal e moderador desta sessão, passou a palavra a António José Vilela, que começou por esclarecer a audiência que iria falar dos mecanismos da corrupção em Portugal na sua visão de jornalista. “Vejo os processos judiciais na sua íntegra, desde o seu conteúdo aos bastidores e isso é que é ser jornalista, lidar com todos os intervenientes nestes casos”, acrescentou.

António José Vilela falou também do processo de investigação na conceção dos seus livros, como o mais recente “A Teia do Banif” (2023), e de outros que tem escrito ao longo dos anos: “faço uma evolução histórica de factos, pessoas e momentos. O que está lá dentro, quais os mecanismos utilizados, os conluios, tudo o que leva a que os processos não cheguem ao fim.”

No entanto, referiu que “ninguém quer os jornalistas a investigar, não agrada a ninguém, nem ao Ministério Público. Há brigas internas entre investigadores, guerras de mediatismo interno e guerras entre juízes”.

O ponto fundamental da intervenção de António José Vilela, segundo o próprio, é o de que “a transparência é fundamental principalmente nestas investigações e em megaprocessos, existindo casos verdadeiramente incompreensíveis”. Um dos exemplos que deu prende-se com “uma grande investigação em Portugal, relacionada com os negócios do Dias Loureiro, que durou 8, 9, 10, 12 anos e chega ao fim com arquivamento”. “Os jornalistas o que fazem é pedir consulta do processo e a Procuradora do caso faz um despacho a autorizar, mas vedando acesso a um conjunto de documentos: 35 de um total de 40. Os jornalistas começam a consultar e nem se percebe o processo. Só depois de envolvermos advogados é que percebemos que o processo prescreveu porque a investigação esteve parada 6 anos. E porquê? Estava escondido no processo. Acontece muitas vezes, os investigadores escondem e ignoram factos, terminando com os processos parados e posteriormente arquivados”.

António José Vilela continuou a dar exemplos concretos de vários processos onde situações como esta acontecem, como os de corrupção militar, além de ter também detalhado os vários fatores que favorecem a corrupção nestes casos: “pressa nos concursos públicos para missões internacionais, a questão das contrapartidas, os intermediários políticos e militares e aquilo a que chamo de bolha, um muro de silêncio. Quanto mais uma estrutura (militar) está isolada da sociedade, mais a informação não sai lá de dentro”.

Outro dos assuntos que evidenciou na sua intervenção foi o do segredo de justiça, que “é usado de forma bastante torpe também”. “Muitas vezes faz-se suspensões provisórias de processos para que continuem em segredo de justiça”, o que na ótica de António José Vilela gera um sentimento de impunidade, pois esta “aumenta quando se percebe que os processos não chegam a lado nenhum”.

O facto de muitas vezes não chegarem a existir julgamentos “é tóxico, porque um julgamento é sempre elucidativo. Existem tantas barreiras, tantos buracos na lei, que os processos morrem quase antes de terem nascido”.

António José Vilela terminou a sua intervenção com um resumo daquilo que foram as ideias trazidas para esta conversa e que deram o mote para o período de perguntas e respostas que se seguiu: o segredo e a inércia da justiça favorecem a impunidade e são um instrumento para que não haja sanções criminais. E os jornalistas estão numa ilha no meio de vários interesses dentro destes processos judiciais.

No seguimento de um debate muito participado pela nossa audiência, Nuno Cunha Rolo encerrou a sessão com algumas considerações em jeito de reflexão: “a verdadeira independência das ONG é essencial. Temos vários desafios, como os jornalistas. Tal como no mito de Sísifo, no dia em que pararmos de empurrar a pedra seremos enterrados por ela. Continuaremos a dar o nosso contributo para evitar sermos esmagados.”

Os GADI são uma iniciativa dos Grupos de Apoio e Discussão da TI Portugal subordinado a um tema de discussão específico introduzido por um/a orador/a especialista, seguido de debate. O próximo Seminário será no dia 3 de maio, no mesmo horário (18h30-20h00), em formato online.

A participação nos GADI e demais atividades são obrigatórias a condição de Associado/a e a inscrição, salvo convidados pelos respetivos coordenadores. 

Para participartorne-se associado/a TI Portugal.