Transparência e Integridade considera que houve limitação da capacidade de escrutínio e da participação cívica na consulta pública à “bazuca” europeia

Imagem: Natacha Cardoso/Global Imagens

A boa utilização de fundos europeus é fundamental para assegurar o desenvolvimento sustentável do nosso país, isto numa altura em que se perspetiva um aumento exponencial dos riscos de corrupção e de desvio de fundos públicos associados ao maior pacote de medidas de estímulo alguma vez financiado pelo orçamento da União Europeia a Portugal, em períodos idênticos, sem esquecer o fraco desempenho do nosso país na prevenção e mitigação destes riscos, nomeadamente na área da contratação pública. É ainda fundamental reduzir os elevados índices de perceção de corrupção no setor público, incrementando os níveis de confiança dos cidadãos e empresas.

O documento submetido a consulta pública inclui a globalidade dos elementos da versão mais atual do Plano de Resolução e Resiliência, mas deixa de fora alguns elementos técnicos ainda em elaboração, nomeadamente os que dizem respeitos aos custos e a alguns marcos e metas, o que nos impede de tecer quaisquer considerações adicionais sobre o mérito e razoabilidade das prioridades políticas e medidas nele inscritas, dado que não são disponibilizadas as análises de custo-benefício das mesmas.

Este é um comportamento que temos notado em iniciativas similares: a limitação da capacidade de escrutínio e da participação cívica, através da “curadoria” da informação disponibilizada, isto é, através da seleção de dados e conceitos de caráter geral, baseados em “wishful thinking” e resultados esperados, em detrimento de dados específicos, nomeadamente sustentados em relatórios de execução e avaliações prévias. Esta prática reiterada consolida, na realidade, a falta de transparência para que vimos sucessivamente alertando, que impede um verdadeiro e desejado debate público.

Não obstante as dificuldades apresentadas, além do apertado prazo de resposta dado pelo Governo, que se limitou a cumprir calendário, por imposição de Bruxelas, as recomendações e medidas que apresentámos assentam em quatro grande dimensões: acesso à informação; contratação pública; gestão eficiente dos recursos públicos e capacitação da Administração Pública; e governação e implementação.

“No contexto pós-pandémico e de enormes mudanças económicas e comportamentais em todo o mundo, o Plano de Recuperação e Resiliência é uma oportunidade única de estímulo ao investimento que não pode ser desperdiçada por Portugal. Os problemas e abusos ocorridos no passado não orgulham o país e não podem voltar a acontecer. Também por isso, a execução do PRR deve um fator de mudança e diferenciação positiva no sentido de maior transparência,  abertura, publicidade e rigor na gestão e governança dos fundos públicos. Só assim os seus benefícios serão efetivos, eficazes e globalmente abrangentes.  O momento é agora, não podemos hesitar”, considera Jorge Máximo, vogal da Direção da Transparência e Integridade.

Da nossa resposta à consulta pública, salientamos os seguintes aspetos:

  • Acesso à informação: reforço e alterações ao Regime de Acesso à Informação Administrativa e Ambiental, incluindo a obrigatoriedade vinculativa dos pareceres da Comissão de Acesso a informação Administrativa e Ambiental; definição e publicitação de métricas de avaliação do grau de cumprimento da execução do PRR; e implementação de ferramentas de suporte abertas e facilmente acessíveis que permitam a monitorização permanente;
  • Contratação Pública: suspensão da proposta do governo estabelecendo medidas especiais de contratação pública e alterando o Código dos Contratos Públicos, atualmente em discussão na Assembleia da República; estabelecimento de um regime sancionatório para violações ao Código dos Contratos Públicos em matéria de transparência; e implementação de Pactos de Integridade, dados abertos de contratação pública e de mecanismos de controlo e de incompatibilidades específicos no acesso ao fundos do Plano de Recuperação e Resiliência, de forma a evitar a utilização abusiva dos mesmos por pessoas com acesso a informação privilegiada ou que possam beneficiar do acesso redundante aos mesmos benefícios enquanto representantes de entidades diferentes;
  • Gestão eficiente dos recursos públicos e capacitação da Administração Pública: definição de métricas objetivas e claras para a avaliação das execução dos projetos financiados e publicitação dos respetivos relatórios de execução; publicação dos relatórios de motorização da implementação dos Planos de Gestão de Riscos de Corrupção e Infrações Conexas; e a rápida transposição da Nova Diretiva de Proteção de Denunciantes para a legislação nacional;
  • Governação e implementação: criação de uma agência anti-corrupção, com amplos poderes especiais e autonomia orçamental, e de um Provedor ou outra figura jurídica para a qual seja possível recorrer, de forma independente, para o caso de uma pessoa ou entidade se sentir prejudicada no acesso ao PRR; e o reforço do enquadramento normativo para prevenção de conflitos de interesses.

“Os princípios fundamentais da Estratégia Nacional de Combate à Corrupção devem ser pilares fundacionais da implementação do PRR. Estamos empenhados, na Transparência e Integridade, para contribuir para exigir e acompanhar esta mudança positiva. No imediato, contribuímos com 20 recomendações ao governo no âmbito do processo de consulta pública. Mas não queremos, nem vamos, ficar por aqui. Essa é a nossa missão, essa é a nossa responsabilidade”, conclui Jorge Máximo.

Fica a conhecer as nossas contribuições para o Plano de Recuperação e Resiliência.