Governo assume não ter dados cruciais sobre a integridade do programa dos Vistos Gold

 

Ministério da Administração Interna reconhece não ter dados essenciais sobre o esquema

O Tribunal Administrativo de Lisboa deu provimento à ação de intimação instaurada pela Transparência e Integridade (TI-PT), capítulo português da rede global de ONG anti-corrupção Transparency International, para forçar o Ministério da Administração Interna a divulgar dados de interesse público sobre o esquema de Vistos Gold.

O processo judicial culmina uma longa batalha da TI-PT, que desde Abril de 2018 buscava junto do Ministério da Administração Interna (MAI) informação sobre o impacto e os controlos existentes à atribuição de Vistos Gold, sem nunca ter recebido qualquer resposta.

Na sentença, datada de 20 de Novembro de 2019 e cuja notificação foi recebida pela Direção da associação no final de Dezembro, o Ministério da Administração Interna é intimado a prestar a informação em falta no prazo de dez dias. Até ao momento, a Transparência e Integridade não recebeu ainda qualquer informação do MAI.

“Esta sentença confirma o direito elementar dos cidadãos a questionarem os seus Governos e a acederem a informação de relevante interesse público – um direito que o Ministério da Administração Interna nos nega reiteradamente há quase dois anos”, considerou a vice-presidente da Transparência e Integridade, Susana Coroado.

“Esta informação é tanto mais importante, urgente mesmo, quanto se trata de um programa como o dos Vistos Gold que tem levantado críticas e sinais de alarme do Parlamento Europeu, da Comissão Europeia e mais recentemente do Comité Económico e Social Europeu, pelos riscos de corrupção, branqueamento de capitais e até de segurança que colocam. O Governo tem de parar de fugir e prestar as contas a que se tem furtado. É esse o significado desta sentença”.

A Transparência e Integridade iniciou esta ação judicial junto do Tribunal Administrativo de Lisboa depois de ter ficado sem resposta aos insistentes pedidos de acesso à informação junto do MAI.

Em Março de 2019, a Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos, na sequência de uma queixa da TI-PT, já havia emitido um parecer pela legalidade do acesso aos dados pretendidos, parecer que o Ministério ignorou, forçando a associação a recorrer aos tribunais.

Na sentença, o tribunal recusa os argumentos do Governo, que havia invocado o segredo estatístico e o segredo de segurança interna para a recusa de resposta, e intima o MAI a ceder toda a informação solicitada pela Transparência e Integridade.

Governo assume não ter dados cruciais sobre a integridade do esquema

De fora da intimação do tribunal ficam apenas os dados que o próprio Governo já tinha admitido, em resposta à Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos, não possuir.

O pedido de acesso à informação feito pela Transparência e Integridade, e agora confirmado pelo Tribunal Administrativo de Lisboa, exige acesso aos seguintes dados:

1. Relativamente às Autorizações de Residência para Investimento (ARI):
a. Número total de vistos por distribuição geográfica (Distritos + Regiões Autónomas); *
b. Número total de vistos por nacionalidade;
c. Número total de vistos por área de atividade;
d. Número de investimentos realizados por empresas (em particular no que se refere ao investimento imobiliário); *
e. Número de postos de trabalho criados;
f. Número de pedidos recusados desde o início dos programas, discriminado por país de origem dos requerentes;
g. Número de vistos concedidos que tenham sido posteriormente cancelados desde o início dos programas, discriminado por país de origem dos requerentes e indicando as razões do cancelamento; *
h. Número de contactos tidos com autoridades dos países de origem para verificação dos dados apresentados pelos requerentes, discriminado por países contactados; *
i. Evolução anual dos dados referidos nas alíneas a) a h);
j. Indicação das empresas que criaram postos de trabalho conforme dispõe a alínea d) do nº 1 e os nºs 2 e 3 do Art. 3ª da Lei de Estrangeiros;
k. Identificação das empresas através das quais foi realizado o investimento em bens imóveis (sociedade unipessoal por quotas ou em regime de co-propriedade, conforme o disposto no nº 2 do Art. 65º-A do Decreto Regulamentar nº 9/2018, de 11 de setembro).
2. Avaliações de impacto do programa que tenham sido realizadas pelo Governo ou a pedido deste – ou a indicação de não terem sido realizadas avaliações de impacto, caso não existam.
3. Regulamentação e normativo indicando quais os mecanismos e procedimentos de controlo em vigor, nomeadamente sobre as origens do capital investido ou os beneficiários efetivos das empresas que se instalam no país e/ou que adquirem propriedades imobiliárias e cujos sócios beneficiam da ARI.

* informação que o Governo reconhece não possuir

“Antes até de termos acesso à informação que o tribunal agora intimou o Governo a prestar, este processo teve já o mérito de obrigar o Ministério da Administração Interna a reconhecer que não tem dados cruciais para avaliar os riscos de segurança de todo o esquema de Vistos Gold. É alarmante que o Estado não tenha registo de contactos com outros países para a troca de informações sobre os requerentes de Vistos Gold – precisamente uma recomendação da Comissão Europeia para garantir a segurança do regime. Nem que não saiba quantos Vistos já foram revogados, ou por que razões. Significa que os controlos de segurança não são auditados e que o esquema está em roda livre», assinala a vice-presidente da TI-PT Susana Coroado.

“Tudo indica que a informação restante confirmará o pior: que o Estado português tem uma política de braços abertos e olhos fechados no que toca aos Vistos Gold e que os alertas de segurança e riscos de lavagem de dinheiro feitos pelas instituições europeias estão a ser simplesmente ignorados”.

A Transparência e Integridade continua a aguardar que o Ministério da Administração Interna cumpra a ordem do Tribunal Administrativo de Lisboa e não deixará de recorrer a todos os meios legais ao seu dispor para obrigar o Governo ao cumprimento da sentença do tribunal.