Zero capacitação + Zero fiscalização = Zero prevenção da corrupção

O governo que aprovou a Estratégia Nacional Anticorrupção não se responsabiliza por quaisquer falhas que possam ocorrer, e como o Mecanismo Nacional Anticorrupção ainda só está provisoriamente instalado, também não temos quem fiscalize.

O Regime Geral de Prevenção da Corrupção, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 109-E/2021, de 9 de dezembro, e o Regime Geral de Proteção de Denunciantes de Infrações, aprovado pela Lei n.º 93/2021, de 20 de dezembro, tornaram obrigatória a adoção de mecanismos internos de reporte de denúncias por todas as entidades, públicas e privadas, empregando 50 ou mais trabalhadores.

No passado mês de junho, ambos os regimes entraram em vigor, sem guidelines para a sua implementação além do que consta do texto da lei. Ninguém do governo se responsabiliza por quaisquer falhas que possam ocorrer, e como o Mecanismo Nacional Anticorrupção ainda só está provisoriamente instalado, também não temos quem fiscalize.

Enquanto isso, as dúvidas vão-se adensando.

Quem sabe, faz bem, e de acordo com as melhores práticas. Quem não sabe, ou compra já feito, fica apenas com o template, ou seja, a forma, sem substância e sem valor real para a melhoria da organização e proteção dos seus interesses. Perdem as empresas e as instituições, e perde o país.

Como em outras matérias, por exemplo, no quadro do Regulamento Geral de Proteção de Dados (RGPD), o governo deixa que seja o mercado a definir os termos de implementação, sem cuidar de garantir que os fundamentos tido como necessários para aprovação dos novos normativos cumprem os objetivos esperados, e sem atentar que, dentro do espírito da lei, o mercado não pode fazer tudo.

A nova lei de proteção de denunciantes decorre da transposição da Diretiva Europeia, que a TI Portugal acompanhou desde a sua elaboração a partir de 2017. O objetivo do diploma foi o de reforçar a proteção dos interesses da União através da promoção da denúncia interna de infrações e ações contrárias a esses interesses por via da disponibilidade de canais de comunicação seguros e garantindo que quem denuncia não é perseguido nem sofre retaliação.

Ou seja, desde o início, o objetivo é que sejam as instituições a receber tais denúncias e a tratá-las internamente, ainda que possam ser submetidas por pessoas que não trabalhando na organização com ela se relacionem no plano profissional.

Competirá, pois, aos responsáveis pelo cumprimento normativo, avaliar se a matéria denunciada é passível de tratamento e resolução interna, isto é, a partir dos regulamentos e procedimentos internamente desenvolvidos para efeito, ou se deve ser encaminhada para entidades externas competentes.

Alertámos em tempo para os efeitos perversos de uma transposição acelerada da Diretiva. Não obstante, entenderam os responsáveis políticos que o copy-paste da Diretiva seria suficiente para transpor os seus fundamentos e incorporá-los na prática organizacional.

Não é.

Sem perceber que instituições e que empresas temos, quais os seus recursos para operacionalizar o novo quadro normativo, e de que forma podemos capacitá-las, será impossível avançar com a prevenção da corrupção em Portugal.

 

Opinião de Karina Carvalho, Diretora Executiva da TI Portugal