404 Beneficiário Efetivo Não Encontrado: um contributo para a discussão sobre Transparência dos Beneficiários Efetivos

404 Beneficiário Efetivo Não Encontrado. Foi com esta ligeira provocação que a TI Portugal organizou a conferência Transparência dos Beneficiários Efetivos: Desafios e Oportunidades em Portugal, uma iniciativa no âmbito do projeto Civil Society Advancing Beneficial Ownership Transparency (CSABOT), que tem como objetivo promover o uso maior e mais abrangente de dados de propriedade efetiva por atores da sociedade civil, incluindo ONG, a Academia, jornalistas, sindicatos, e o público em geral.

Mais de 40 participantes assistiram e participaram numa série de conversas e mesas redondas em torno de uma temática de grande importância no II Plano de Ação Nacional de Administração Aberta da OGP Portugal, que prevê, no seu compromisso 7, a revisão dos atuais procedimentos atuais e a melhoria do Registo Central do Beneficiário Efetivo (RCBE), adequando-o aos standards e boas práticas internacionais.

A abertura da conferência foi feita por Nuno Cunha Rolo, presidente da Direção da TI Portugal, que deu alertou para a urgência da transparência dos beneficiários efetivos.

Transparência dos Beneficiários Efetivos no Sistema Nacional de Branqueamento de Capitais e Financiamento do Terrorismo

A primeira sessão foi moderada por Karina Carvalho, Diretora Executiva da TI Portugal, que esteve à conversa com Ana Gomes sobre a transparência dos Beneficiários Efetivos no sistema nacional anti-branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo.

A antiga ex-eurodeputada e antiga embaixadora elogiou o trabalho levado a cabo pelas Unidades de Informação Financeira e a cooperação internacional entre agências, que, ainda ainda, considera não ser suficiente.

“Há alguma cooperação, incentivada pela própria Europol, mas é completamente informal, porque não tem base legal”. Sobre esta temática, Ana Gomes acrescentou: “Alertámos na 4.ª e 5.ª Diretivas Anti-Branqueamento de Capitais, é a Comissão Europeia concordava connosco, para a necessidade absoluta de uma agência europeia anti-branqueamento de capitais. Quem se opôs? Os governos”.

Ordem de Advogados e Banco de Portugal foram ainda alguns dos alvos das críticas da antiga embaixadora: “Nunca fez rigorosamente nada! Dei-me ao trabalho de enviar links de notícias de casos que suscitariam uma investigação pela Ordem a sociedades de advogados que participaram em esquemas de branqueamento de capitais”, recorda. “O que não falta são notícias de sociedades de advogados, não que participam no combate ao branqueamento de capitais, mas que organizam esquemas para ajudar a branquear capitais e Ordem de Advogados agarrou-se a um formalismo, disse para preencher um formulário e fazer denúncias individuais através desse meio”.

Quanto à supervisão, nomeadamente do Banco de Portugal, Ana Gomes lamentou que esta não funcione. “A supervisão não funciona, incluindo o Banco de Portugal. Muitas vezes os confrontei com casos chocantes e gritantes. Não há em Portugal eficácia no combate ao branqueamento de capitais e criminalidade conexa, incluindo a corrupção”.

Transparência dos Beneficiários Efetivos em Portugal: principais desafios

Na segunda sessão da manhã, Nuno Cunha Rolo moderou a mesa redonda com Anabela Santos, em representação da Ordem dos Contabilistas Certificados; o jornalista Carlos Rodrigues Lima; e a economista Susana Peralta.

Nesta conversa, foram identificados e discutidos alguns dos principais desafios no caminho para uma maior transparência dos beneficiários efetivos em Portugal: o excesso e complexidade da legislação em Portugal, a multiplicação de entidades e departamentos com missões idênticas, que leva a uma falta de comunicação entre elas.

Anabela Santos sublinhou que Portugal tem feito bastante trabalho no combate ao branqueamento de capitais e lamentou ainda a falta de preocupação das autoridades quanto a esta problemática.

“Muito tem sido feito, apesar da sensação dos cidadãos de que nada ou pouco se faz, embora do ponto de vista legislativo muito se faça”, considerou Anabela Santos. “É na opacidade do beneficiário efetivo que vejo menos preocupação quanto a contabilistas, advogados e outros facilitadores de planeamento fiscal agressivo. Há também muito pouca preocupação das autoridades competentes”, acrescentou.

Carlos Rodrigues de Lima, jornalista da Visão, corroborou a ideia de Anabela Santos quanto ao que considerou um excesso de legislação em Portugal.

“Há muita legislação anti-branqueamento de capitais. Acho que o problema está precisamente aí: há um excesso de leis e depois perdemos anos com recursos para os tribunais para saber qual delas se aplica”. No entanto, lembrou que, “se não houver uma resposta global, de nada vale a produção de legislação a nível nacional. Malta é um país da União Europeia e oferece uma série de serviços…”

E se o excesso de legislação é um problema em Portugal, a multiplicação de estruturas e departamentos é outro. “Temos, muitas vezes duplicação de estruturas. É uma coisa muito portuguesa de que cada entidade tenha o seu departamento especializado. Isto leva a que haja comunicação para as entidades, mas depois estas não comunicam entre si”.

Susana Peralta seguiu na mesma linha dos colegas da mesa redonda quanto à legislação existente em Portugal. “A complexidade da legislação cria a necessidade de haver serviços especializados que lucram em função do que fazem ganhar a estes criminossos. Se não houver regras que impliquem estes intermediários, não chegamos a lado nenhum”.

“Há uma multiplicação de entidades: temos a Entidade da Transparência, o Conselho para a Prevenção da Corrupção, o novo Mecanismo Anti-Corrupção… Temos uma cultura de checklist, queremos apenas legislar para medir objetivos”, acrescentou.

E, além de haver entidades e organismos com os mesmos objetivos, estes não comunicam entre si: “Não há cruzamento de informação: Registo Central de Beneficiário Efetivo não cruza dados com o Portal BASE, com o portal Mais Transparencia do PRR…”

A economista e professora universitária terminou a sua exposição com uma ideia forte: “Enquanto os beneficiários destes processos de corrupção continuarem a viver à conta do que roubaram, o crime continua a compensar”.

Transparência dos Beneficiários Efetivos em Portugal: oportunidade de melhoria

A segunda mesa redonda do dia, dedicada à melhoria da transparência dos beneficiários efetivos em Portugal, contou com Cláudia Santos, do Instituto dos Registos e Notariado; João Perry da Câmara, em representação da Ordem dos Advogados; e os jornalistas Luís Rosa (Observador) e Micael Pereira (Expresso).

Cláudia Santos, coordenadora do Setor Jurídico do IRN, reconheceu que o Registo Central de Beneficiário Efetivo (RCBE) precisa de ser melhorado: “Nenhuma autoridade consegue, com os meios que detém atualmente, monitorizar as 575 mil declarações existente no Registo Central de Beneficiário Efetivo”.

“O RCBE é uma ferramenta imperfeita. Quem já tentou usar sabe que tem muitas imperfeições. Temos de apostar na interoperabilidade para descobrir quem é o beneficiário efetivo”, começou. “Precisamos de investir mais e esta discussão é uma oportunidade para desmistificar a ideia de que um beneficiário efetivo está ligado à criminalidade”.

No entanto, um dos obstáculos a uma maior transparência dos beneficiários efetivos está nas próprias características do tecido empresarial português: “Não temos um tecido empresarial complexo, na sua maioria são sociedades unipessoais ou por quotas entre marido e mulher, que não entendem porque foi criado este registo”.

Olhando já para o futuro, Cláudia Santos espera que a 6.ª Diretiva Anti-Branqueamento de Capitais, a ser preparada pela Comissão Europeia, venha ajudar a melhorar o RCBE: “Uma coisa positiva que a 6.ª Diretiva Anti-Branqueamento de Capitais vem propor é a definição de conceitos: quem dentro de uma associação deve figurar como beneficiário efetivo, por exemplo”.

O advogado João Perry da Câmara deixou alguns elogios ao RCBE, que, considera, é uma boa ferramenta para o trabalho do dia-a-dia dos advogados: “O preenchimento do RCBE é mais um trabalho que temos de fazer. Esta ferramenta é útil e necessária, mas é importante haver a coordenação com os registos comerciais e prediais para evitar duplicação de trabalho e burocracia”.

Luís Rosa, jornalista do Observador, criticou a “cultura do segredo” que diz existir em Portugal e para que, acredita, o RCBE acaba por contribuir.

“Continuamos a ter em Portugal uma cultura do segredo, que impede acesso a fontes pelos jornalistas, derivada da forma como os poderes públicos vêem os jornalistas: uma espécie de cusco, a meter o nariz onde não é chamado”, considerou. “O RCBE é uma ferramenta útil para a transparência, mas, enquanto jornalista, não consigo aceder. Tenho de identificar-me como cidadão e justificar a razão da minha consulta. Não faz qualquer sentido”.

Já Micael Pereira começou por elogiar o RCBE: O RCBE é uma grande arma, é uma arma poderosa”, acrescentando que só conseguiu publicar uma história muitos anos depois precisamente por causa desta ferramenta.

No entanto, também deixou uma crítica: “De quem foi a ideia peregrina de obrigar as pessoas a usar cartão de cidadão e a inscrever o motivo da pesquisa para usar o Registo Central de Beneficiário Efetivo?”

Ativismo anti-corrupção para incrementar a transparência dos beneficiários efetivos

Na última sessão do dia, Maíra Martini vai partilhar o que tem sido feito pela Transparency International e o que ainda falta fazer no ativismo anti-corrupção para incrementar a transparência dos beneficiários efetivos.

A ativista anti-corrupção falou do trabalho que fez para ajudar o Organized Crime and Corruption Reporting Project (OCCRP) a rastrear os bens dos oligarcas russos, a propósito das sanções à Rússia, depois da invasão da Ucrânia: “Quando a guerra começou, a sociedade mobilizou-se para encontrar bens dos oligarcas e PEP russos e o OCCRP criou o Russian Asset Tracker“.

“Analisei a base de dados e só havia dois oligarcas. O resto eram empresas no Chipre e Ilhas Virgens Britânicas. Os jornalistas conseguiram identificar os beneficiários efetivos por causa de fugas de informação como #PanamaPapers”, partilhou. “No entanto, as autoridades não podem utilizar estes dados porque esta informação foi obtida através de fugas de informação”.

Além disso, Maíra Martini sublinhou o trabalho da sociedade civil em geral, e da Transparency International em particular, na elaboração das 4.ª e 5.ª Directivas Anti-Branqueamento de Capitais e da Recomendação 24 ao FATF/GAFI, olhando já para a 6.ª Diretiva: “O principal desafio é tapar os buracos que ficaram a descoberto nas diretivas anti-branqueamento e também a nível nacional nos diferentes países”.

Sobre os registos de beneficiários efetivos, deixou elogios às ferramentas, mas sublinhou que é preciso fazer mais, não só na manutenção das plataformas, mas também na qualidade dos dados apresentados.

“O poder destes registos de beneficiários efetivos é muito grande, especialmente quando são abertos. Mas é preciso entender e discutir a maneira como as autoridades usam atualmente a informação”, apontou. “O Estado está a gastar dinheiro para criar e manter registos centrais de beneficiários efetivos, mas não estão a fazer o uso mais eficiente da informação ao dispor”.

“É preciso melhorar a qualidade dos dados. Muitos registos não têm poderes para verificar a informação. E, quando têm, não têm meios para o fazer”, sublinhou.

Sobre o CSABOT

O projeto CSABOT está integrado na Preparatory action – Capacity building programmatic development and communication in the context of the fight against money laundering and financial crimes e conta com o apoio da Comissão Europeia. O seu principal objetivo é promover o uso maior e mais abrangente de dados de propriedade efetiva por atores da sociedade civil , incluindo ONG, a Academia, jornalistas, sindicatos, bem como o público em geral.

São nossos parceiros o Secretariado da  Transparency International  (TI-S), Tax Justice Network (TJN), Transcrime – Università Cattolica del Sacro Cuore (Transcrime – UCSC) e o Government Transparency Institute (GTI), ao abrigo de um contrato com a União Europeia, representada pela Comissão Europeia. As opiniões expressas são exclusivamente dos parceiros e não representam a opinião oficial da Comissão Europeia.

Acompanha a cobertura da conferência no Twitter da TI Portugal.