404 Beneficiário Efetivo não encontrado

Imagem: Jirsack/iStock

Não é segredo para ninguém que as empresas anónimas são o veículo de eleição para os corruptos e criminosos esconderem as suas práticas ilícitas e criminais. Conhecem-se quase semanalmente novos casos de corrupção transfronteiriça e branqueamento de capitais, onde os perpetradores se escondem frequentemente atrás de estruturas empresariais secretas.

A União Europeia tem sido frequentemente elogiada pelo progressos na repressão do abuso de empresas anónimas e com razão. O bloco europeu foi dos primeiros a tomar medidas sérias com vista a melhorar a transparência do beneficiário efetivo.

A 4.ª Diretiva Anti-Branqueamento de Capitais da União Europeia, aprovada em 2015, exigia que os países estabelecessem registos centralizados de beneficiários efetivos . Em 2018, em resposta a escândalos como os #PanamaPapers e os #ParadisePapers, a União Europeia aprovou a 5.ª Diretiva de Anti-Branqueamento de Capitais, que continha outras medidas para reforçar a capacidade das autoridades competentes – tanto dentro como fora da União Europeia – para detetar e investigar o branqueamento de capitais e a criminalidade financeira.

No entanto, a 5.ª Diretiva Anti-Branqueamento de Capitais faz mais do que isso. Ao reconhecer que a transparência pode ser um poderoso dissuasor, estabelece medidas para prevenir o branqueamento de capitais e os crimes financeiros. Além disso, exige que os países abram os seus registos de beneficiários efetivos a todos os membros do público, reconhecendo desta forma a importância do escrutínio público dos dados das empresas e da propriedade efetiva para preservar a confiança na integridade das transações comerciais e do sistema financeiro.

Quem cumpriu e quem ainda não o fez?

Três anos após a adoção da directiva – e mais de um ano após o prazo de transposição de medidas-chave a nível nacional –a Transparency International fez um balanço sobre se os países da União Europeia implementaram medidas para melhorar a transparência na propriedade das empresas.

A grande maioria dos países – 24 dos 27 – tem pelo menos um registo central privado de informações sobre a propriedade benéfica. Os únicos três países que ainda não estabeleceram qualquer tipo de registo de propriedade efetiva são a Hungria, a Itália e a Lituânia.

O não cumprimento das regras da União Europeia torna-se, no entanto, mais grave, se analisarmos se os países da União Europeia estabeleceram registos públicos de beneficiários efetivos. Seis países – Chipre, República Checa, Finlândia, Grécia, Roménia e Espanha – não cumpriram o prazo dado e ainda não abriram os seus registos ao público. Na maioria destes países, o acesso aos dados pode ainda ser concedido aos meios de comunicação social ou à sociedade civil, se estes provarem ter um interesse legítimo.

Portugal não cumpre diretiva europeia

Apesar de ter um registo centralizado de beneficiários efetivos, Portugal encontra-se entre os Estados-membros da União Europeia que, de uma maneira ou de outra, limita o acesso a essa informação.

O nosso país apenas disponibiliza o acesso ao registo apenas a quem conseguir demonstrar interesse legítimo ou a finalidade da informação obtida através da pesquisa. Além disso, o acesso ao registo é dado através de um sistema eletrónico de identificação apenas disponível a cidadãos ou residentes de alguns países europeus.

No caso português, o acesso ao registo central de beneficiários efetivos faz-se através de leitor de cartão de cidadão, da Chave Móvel Digital ou certificado digital que comprove que o utilizador é um advogado, solicitador ou notário. Esta limitação torna impossível para qualquer cidadão de outro país a pesquisa na base de dados portuguesa, o que faz com que o registo centralizado nacional não cumpra os requisitos da 5.ª Diretiva Anti-branqueamento de Capitais.

Acessíveis… mas nem tanto

Apesar das disposições da União Europeia que sublinham a importância de conceder acesso à informação sobre  os beneficiários efetivos às autoridades competentes nacionais e estrangeiras, assim como aos membros do público, o que o relatório da Transparency International descobriu é que este acesso pode ser restringido – mesmo em países que têm registos centralizados públicos.

Vários países criaram sistemas de registo complexos que requerem frequentemente um documento de identificação digital – desse país ou de outro país da União Europeia na sua lista de países com um sistema de identificação electrónica aprovado. Na realidade, estes requisitos de registo estão a criar restrições de acesso geográfico, em clara violação das regras da União Europeia, limitando a capacidade das autoridades estrangeiras, bem como do público, de procurar e receber informações sobre a verdadeira propriedade da empresa.

Na Bélgica, por exemplo, o acesso ao registo é limitado a cidadãos belgas ou cidadãos estrangeiros que possuam um número de identificação fiscal belga.

Este acesso à informação pode ser restringido não só pelas funcionalidades do registo, mas também pela forma como a informação pode ser pesquisada.

Outras restrições incluem, por exemplo, a exigência da grafia exacta do nome da empresa tal como inscrito no registo, como na Suécia; o número de identificação fiscal da empresa, na Polónia; ou o número de identificação pessoal do proprietário beneficiário, em Malta, Polónia e também na Suécia. Na Bulgária, é possível pesquisar por empresa e por proprietário beneficiário apenas em cirílico.

Apenas na Dinamarca e na Letónia a informação no registo está disponível como dados estruturados e num formato legível por máquina, permitindo ao público descarregar todo o conjunto de dados.

Acabaram-se os atrasos e restrições

Mais de um ano após o prazo de transposição da 5.ª Diretiva Anti-Branqueamento de Capitais, nove países da União Europeia ainda não dispõem de quaisquer registos de beneficiários efetivos. Outros impõem restrições de acesso geográfico, em clara violação das regras da União Europeia. A maioria dos países da União Europeia introduziu obstáculos, tais como as barreiras de pagamento e registo que, embora legais, restringem o acesso e a usabilidade dos dados.

É pois imperativo que os governos de Chipre, República Checa, Finlândia, Grécia, Hungria, Itália, Lituânia, Roménia e Espanha implementem integralmente a 5.ª Diretiva Anti-Branqueamento de Capitais e estabeleçam, sem demoras, registos de beneficiários efetivos públicos.

Em seguida, todos os estados membros da União Europeia devem assegurar que o espírito da diretiva seja respeitado. O primeiro passo para assegurar a qualidade do registo é recolher e disponibilizar toda a informação-chave para identificar um beneficiário efetivo e compreender a sua relação com a entidade legal. Esta informação deverá então ser facilmente acessível. Quanto mais fácil for para os utilizadores pesquisar no registo, analisar ligações e cruzar os dados com outras informações relevantes, mais provável é que as autoridades e outros intervenientes possam identificar red flags e potenciais infrações.

A própria Comissão Europeia tem uma oportunidade única para abordar estas deficiências gritantes na transposição da diretiva por parte dos Estados-membros. Como parte do próximo livro de regras contra o branqueamento de capitais, a Comissão deveria propor um conjunto de diretrizes para melhorar a disponibilidade de dados de beneficiários efetivos, bem como para facilitar a interconectividade dos registos em toda a União E.

A menos que estas questões sejam abordadas de forma transversal, autoridades e atores independentes – na União Europeia e não só – continuarão a enfrentar dificuldades na identificação dos verdadeiros indivíduos por detrás das empresas que são utilizados e abusados para cometer crimes financeiros, o que significa que não há como parar os fluxos de dinheiro sujo na União Europeia.

Consulta o estado de cada registo central de beneficiários efetivos.