Tão embrenhados andamos no nosso contexto nacional que tendemos a esquecer que somos também cidadãos europeus de pleno direito. Enquanto tal, podemos votar nas eleições para o Parlamento Europeu e eleger os eurodeputados através dos partidos políticos nacionais. E, como tal, podemos e devemos manter a vigilância sobre as instituições e exigir a indivíduos e partidos o cumprimento de parâmetros éticos que assegurem uma democracia integra, transparente e ao serviço dos cidadãos, estejam estes na nossa cidade, na capital do nosso país ou no eixo Bruxelas-Estrasburgo.

Esta semana, através dos nossos colegas da Transparência Internacional junto da União Europeia (TI EU) ficámos a saber que 60% dos deputados do Parlamento Europeu declararam atividades externas que vão da ocupação profissional a cargos em órgãos sociais de empresas ou outras organizações ou ainda outros mandatos políticos.

No total, os 751 eurodeputados declararam 1366 atividades, um aumento de 13% desde o início do mandato em 2014. 31% dos deputados europeus têm, neste momento, atividades paralelas remuneradas e 49 eurodeputados iniciaram novas funções desde o início do mandato, quatro dos quais ganham mais de 100.000 euros adicionais por ano.

De entre os eurodeputados que mais auferem remunerações extraparlamentares, inclui-se o social-democrata Paulo Rangel. Em Portugal, de acordo com uma recente reportagem da RTP, um terço dos deputados não exercem o mandato em exclusividade.

A exclusividade dos deputados é um assunto que vem à baila com alguma frequência e encontra-se na Assembleia da República, contudo, são raros os parlamentos no mundo que exigem a dedicação exclusiva.

O próprio conceito de exclusividade não é simples de definir e pode ser mais ou menos abrangente. Estaríamos a falar de exclusividade de ocupação profissional ou tal exclusividade também incluiria outras atividades, como produção artística (poderia um deputado ser escritor, músico, pintor?), o comentário político ou a participação em conferências? Seria possível acumular cargos de soberania, por exemplo deputado à Assembleia da República e Presidente de Junta de Freguesia, ou cargos políticos, isto é o cargo de deputado e um cargo político dentro do partido? E, neste caso, poder-se-ia acumular igualmente remunerações?

A justificação mais comum para a não-exclusividade é que tal permite aos deputados manterem contacto com a sua profissão, evitando assim o fenómeno do “político profissional”. Outros defendem que permite manter ligações com as realidades do seu eleitorado.

É certo que nem todas as atividades externas suscitam conflitos de interesse, no entanto, algumas atividades paralelas, remuneradas ou não, podem também criá-los ou impedir que os deputados dediquem tempo e atenção suficientes aos seus mandatos.

Atividades que geram elevados rendimentos estão habitualmente ligadas a grupos de interesse, e quando se iniciam durante o mandato apresentam um risco maior de conflito de interesses. A falta de transparência ou de informação detalhada sobre determinadas atividades profissionais, como a vaga declaração de advogado, consultor ou trabalhador independente, também dificulta a identificação de conflitos de interesse e, como tal, aumenta o seu risco.

Se a isto, aliarmos a manifesta falta de monitorização por parte das comissões éticas e de uma real implementação de sanções – aqui como em Bruxelas – temos um problema sério de integridade e consequente credibilidade.

> Susana Coroado, Vice-Presidente da TI-PT

Leia o Relatório da TI-EU: Moonlighting in Brussels: side jobs and ethics concerns in the European Parliament