Transparência e Integridade pede ao Banco de Portugal que divulgue informação sobre branqueamento de capitais no EuroBIC

Foto: bancosdeportugal.info

Passados que estão mais de seis meses após o anúncio do ex-Governador do Banco de Portugal (BdP), Dr. Carlos Costa, sobre a conclusão do relatório de inspeção ao EuroBIC, continuamos sem conhecer o modo como as operações suspeitas reportadas pelo caso Luanda Leaks foram tratadas pelo Banco e qual o seguimento dado em termos de comunicação às autoridades.

Esta informação é fundamental não apenas para avaliar a estrutura de compliance do EuroBIC, mas extraordinariamente relevante para instituir, com a máxima urgência, uma verdadeira discussão crítica sobre as vulnerabilidades do sistema financeiro português ao branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo (BC/FT).

“Carlos Costa disse aos deputados que as transferências suspeitas não têm de ser comunicadas ao Banco de Portugal mas à Unidade de Informação Financeira da Polícia Judiciária, mas conhecer a sua existência e saber se o dever de comunicação à UIF foi ou não cumprido é fundamental para avaliar o sistema de prevenção do BC/FT que o BdP supervisiona. Ora o que nós sabemos até agora, e que já foi reconhecido até pelo Parlamento Europeu, é que existem falhas graves. Por isso é que os eurodeputados pediram especificamente à Autoridade Bancária Europeia (EBA) uma investigação sobre o caso de Isabel dos Santos e o EuroBIC. A Europa quer saber se existiram violações da legislação nacional ou da UE e analisar as medidas tomadas pelos supervisores financeiros, e nós também. Mas em Portugal, como sempre e em quase tudo que diga respeito ao sistema financeiro e ao papel de regulação do BdP, empurramos com a barriga ou assobiamos para o lado”.

– Susana Coroado, Vice-Presidente da Transparência e Integridade

As FinCEN Files, uma investigação publicada no passado Domingo pelo Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação (ICIJ) em conjunto com a BuzzFeed News e mais de 108 parceiros em todo o mundo com base em relatórios de atividade suspeita (SARs) enviados à Financial Crimes Enforcement Network (FinCEN) do Departamento do Tesouro dos Estados Unidos, prova que, ao longo de 18 anos, um conjunto de bancos movimentaram mais de 2 biliões de dólares norte-americanos em pagamentos que sinalizaram como suspeitos ou potencialmente fraudulentos, ao mesmo tempo que prometiam às autoridades de supervisão o reforço dos seus controlos internos de prevenção e combate ao branqueamento de capitais.

De acordo com os jornalistas, o dinheiro incluído nestas transferências serviu para financiar durante anos um conjunto massivo de atividades ilegais e criminosas, e, ainda mais sem surpresa, o EuroBIC, como um dos bancos que em Portugal facilitou a transferência de fundos suspeitos.

Segundo os dados disponibilizados, o EuroBIC reportou à FinCEN 99 transações, sendo responsável pela transferência de 26.928.045 USD, só superado pelas instituições do universo BES (o BES sedeado no Offshore da Madeira transferiu 56,319,000 USD em apenas duas operações).

Em janeiro deste ano o BdP esclareceu, a propósito do escândalo Luanda Leaks, que tinha pedido ao EuroBIC informação que lhe permitisse avaliar o modo como essa instituição analisou e deu cumprimento aos deveres a que está sujeita em matéria de prevenção do branqueamento de capitais e do financiamento do terrorismo (BC/FT). E na nota de enquadramento à audição do Governador na Comissão de Orçamento e Finanças em março referiu-se a uma ação inspetiva realizada em 2015 segundo a qual teriam sido emitidas mais de 50 determinações e recomendações destinadas a reforçar os mecanismos de prevenção do BC/FT e identificada a necessidade de se proceder a uma auditoria externa, por uma entidade independente, com vista à aferição do grau de cumprimento das referidas medidas. Mas nada disse sobre quais as consequências deste processo, nem se foram aplicadas sanções, nem tão pouco se essa auditoria chegou a acontecer, quem a fez, e o que concluiu.

O BdP afirmou por diversas vezes que acompanha todo o processo de implementação das medidas e recomendações que emite, mas tendo sido decidida a realização de nova inspeção on-site ao EuroBIC em novembro de 2019, ainda antes de se conhecerem os contornos do caso Luanda Leaks, impõe-se perguntar que problemas foram detetados entretanto? E quais os resultados de ambas as inspeções?

Tal informação é fundamental para perceber o que se passa no EuroBIC, e também sobre o papel desempenhado pelo sistema bancário português na facilitação de fluxos financeiros ilícitos, já ilustrado na investigação do investigação do Organized Crime and Corruption Reporting Project (OCCRP) destacada pelo Expresso sobre o modo como a elite angolana criou uma rede privada de bancos para transferir dinheiro para Portugal e para a União Europeia.

“Vemos com muita preocupação o facto da prevenção do branqueamento de capitais e do financiamento do terrorismo no setor financeiro não ser uma prioridade para Portugal. O governo parece adotar uma postura displicente, desde logo manifesta no atraso da transposição das últimas diretivas europeias sobre esta matéria, contemplando justamente o robustecimento das medidas que previnem a utilização dos bancos para práticas ilegais de branqueamento de capitais, e a implementação desastrosa do Registo Central do Beneficiário Efetivo. As entidades de supervisão, por seu lado, e o BdP em particular, preferem a passividade à proatividade, chutando os problemas decorrentes da falha de fiscalização capaz para os órgãos de investigação criminal e de Justiça, lavando as mãos como Pilatos. O caso Luanda Leaks é um exemplo paradigmático deste tipo de atuação”.

– Karina Carvalho, Diretora Executiva da Transparência e Integridade

aqui a carta que enviámos ao Banco de Portugal