Do “sim, mas…” ao “sim porque”

Pouco habituado a ouvir referências amigáveis de políticos, sinto-me embaraçosamente obrigado a fazer um apelo amigável em resposta. É o tempo dele!

Foi uma sensação estranha, confesso, ver a petição da Transparência e Integridade exigindo uma Estratégia Nacional Contra a Corrupção discutida no plenário da Assembleia da República, esta quarta-feira. Não é todos os dias que vemos deputados de todas as bancadas, que tantas vezes criticamos, saudarem-nos amigavelmente. Estou mais habituado ao confronto, a chamar nomes e a que me chamem nomes de volta. É-me mais familiar e, portanto, mais confortável.

A simpatia apanhou-me desprevenido, até porque na inimizade, ao menos, há clareza. Nos inimigos podemos confiar  –  contamos com a consistência dos seus maus sentimentos, o seu empenho em tramar-nos, o seu ódio àquilo que representamos. É sólido. Os amigos é sempre mais dúbio.

Que o tema tenha subido ao plenário e suscitado de todos, da esquerda à direita, menções elogiosas à Transparência e Integridade e aos mais de 8.500 cidadãos que se juntaram a esta causa é um tributo ao trabalho feito ao longo de mais de um ano, preparando e lançando esta campanha, percorrendo o país em sessões de esclarecimento, acolhendo o contributo de peritos, líderes de opinião e ativistas que deram a cara por este objetivo. É um sinal de que, por mais defeitos que tenha a nossa democracia, os cidadãos ainda são ouvidos quando se organizam para fazer soar a sua vontade.

Agora vem a parte difícil: concretizar. O Governo aprovou o esboço de uma Estratégia Nacional de Combate à Corrupção  –  precisamente aquilo que pedimos ao Parlamento –, mas há muitas falhas a resolver, que vão exigir mais esforço da sociedade civil quando este esboço chegar, na sua versão final, à Assembleia da República. Vamos precisar de continuar atentos e empenhados, até porque os discursos amistosos que se ouviram no Parlamento tiveram um tom transversal a quase todos os partidos (e seguramente aos principais), que anuncia uma ameaça à qualidade da discussão: “sim, mas…”.

Sim, somos a favor do combate à corrupção, sim, sempre fomos a favor do combate à corrupção, mas. Mas cuidado com os populismos.

Cuidado com os que agitam a corrupção para destruir a democracia. É óbvio que, como todas as coisas difíceis, também esta exige conhecimento e cautela. Sangue frio e foco. A corrupção combate-se com democracia e quanto mais corrupção mais precisamos de alargar a democracia, não de estreitá-la. Quaisquer medidas que limitem o exercício das liberdades e da democracia, sob a capa de punições mais duras ou de mais autoridade contra os corruptos, estarão provavelmente a ir na direção errada. O problema é que o “sim, mas…” transversal aos discursos, mais do que este zelo na defesa da democracia, exprime uma prudência defensiva que significa que muitos partidos entram nesta discussão amedrontados e pouco dispostos a um debate franco e difícil, sem tabus; em vez de assumirem uma abordagem feita de abertura de espírito, curiosidade intelectual e vontade genuína de mudar. Isso não serve.

“Sim, mas…” não serve. Vamos combater a corrupção, mas com muito medo dos populismos não serve. Os populismos não surgem do combate à corrupção, surgem da inércia. Os partidos (e os deputados) que se lançarem a esta discussão com empenho, abertura e alegria estarão a salvo –  e serão a nossa defesa –  contra os extremismos, os populismos ou outros papões. Discutam este problema central com entusiasmo e sentido crítico.

Não tenham medo! A discussão franca, que aceite pôr tudo em cima da mesa, é precisamente a que nos vai distanciar das soluções simplistas. Não concordaremos com tudo –  e sem dúvida que em muitos momentos discordaremos todos uns dos outros com bastante veemência. Tenhamos prazer nessa veemência e nessa discussão. Se ela for feita de boa fé, com todo o nosso conhecimento, com toda a nossa esperança, com toda a nossa paixão, sairemos todos melhor do outro lado. Sem soluções perfeitas (que não as há) mas num caminho comprometido com um futuro melhor, sem mas nem meio mas. Arregacem as mangas e não tenham medo. Porque esta é uma ideia cujo tempo chegou.