Falhas apontadas pela Comissão Europeia no combate à corrupção não vão ser resolvidas

A Comissão Europeia divulgou hoje o seu Relatório sobre o Estado de Direito na Europa, que inclui um capítulo sobre Portugal. Nele são apontadas várias falhas no combate à corrupção no país, incluindo a falta de meios dos órgãos de investigação criminal e a falta de uma estratégia de combate ao problema.

Mas mesmo os sinais encorajadores registados pela Comissão Europeia arriscam-se a não dar resultados práticos.

O relatório europeu lista um conjunto de questões que a Comissão Europeia quer ver resolvidas em Portugal, sendo que poucas ou nenhuma estão concretizadas no terreno. Mesmo quando nota sinais positivos, o relatório mais não consegue fazer do que listar uma súmula de desejos que a Comissão gostaria de ver implementados em Portugal, mas que a Estratégia Nacional de Combate à Corrupção (ENCC) apresentada pela Ministra da Justiça depois da ronda de consultas da Comissão, tratou já de gorar.

Três importantes conclusões se retiram desta avaliação da Comissão Europeia:

  1. Os anúncios de medidas de combate à corrupção abundam, mas na prática ainda pouco ou nada foi implementado e os resultados são escassos. Disso são exemplos destacados pela própria Comissão a criação da Entidade da Transparência (estabelecida em lei em 2019 mas que ainda não saiu do papel); a falta de mecanismos de monitorização das portas giratórias ou o escrutínio do sistema de distribuição de processos judiciais nos tribunais.
  2. As expectativas que a Comissão tinha sobre a ENCC foram já goradas com publicação do documento. O relatório da Comissão refere que, de entre as medidas a destacar na ENCC está o reforço da transparência do financiamento dos partidos políticos ou a contratação pública, quando, na realidade, ambas são apenas mencionadas de passagem no documento, sem propostas concretas.
  3. A falta de recursos monetários, materiais e humanos é gritante, bem como a falta de especialização em todas as entidades envolvidas na prevenção e repressão da corrupção, desde o Ministério Público, os tribunais aos Conselho de Prevenção da Corrupção. Também neste campo a ENCC falha em dar resposta, uma vez que não propõe de forma concreta e mensurável a alocação de recursos, o estabelecimento de objectivos e a sua calendarização.

“Se a Entidade da Transparência teve, na sua génese, várias imperfeições, nomeadamente a falta de independência orgânica e o mandato limitado, a sua implementação tem sido ainda mais desapontante. Lembramos, de resto, que a alocação de recursos a esta entidade foi em si mesma uma batalha no debate do Orçamento de Estado e, até hoje, nem sequer a localização do órgão está fechada”, nota a Presidente da Transparência e Integridade, Susana Coroado.

“Outro copo cheio de nada no campo dos anúncios é a Estratégia Nacional de Combate à Corrupção (ENCC). Tememos que a Comissão tenha sido induzida em erro ou levada a acreditar que a contratação pública ou o financiamento partidário seriam medidas emblemáticas da Estratégia, quando, na realidade, ambas são apenas mencionadas en passant no documento”.

“Finalmente, a Comissão refere que o sistema de distribuição de processos judiciais nos tribunais está sob escrutínio, mas na realidade o Conselho Superior da Magistratura arquivou as suspeitas de viciação do sistema há dois meses, depois de ter solicitado uma auditoria à própria entidade que gere o sistema (pondo em causa a independência da auditoria), sem alocar responsabilidades ou propor reformas. Outra montanha que pariu um rato”, acrescentou Susana Coroado.