Deputado Carlos Peixoto: a raposa a guardar o galinheiro

Não é nova a percepção de que o parlamento é um centro de negócios e que os deputados estão mais preocupados em defender os seus interesses privados do que a causa pública. O nosso anterior vice-presidente, Dr. Paulo Morais, denunciou vários casos de deputados que apresentavam conflitos de interesse entre as suas vidas profissionais e o seu papel enquanto representantes eleitos pelos cidadãos. A estas constatações, os políticos respondiam que nada faziam de ilegal, que tinham direito a vida fora do parlamento e que só por si um deputado não tinha poder para influenciar um parlamento inteiro. Por outras palavras, todos os 230 deputados da nação são indivíduos íntegros, acima de qualquer suspeita e, como tal, acima de qualquer fiscalização e responsabilização. Daí, talvez, a inoperância da Comissão Parlamentar de Ética, entretanto despromovida a sub-comissão.

Ontem a TI-PT tornou público um desses conflitos de interesse no parlamento. Desta feita, um exemplo concreto, bem identificável e que ilustra na perfeição como um deputado pode influenciar uma lei. Porque andamos também a seguir de perto o problema dos Vistos Gold, temos acompanhado a discussão de um projecto de lei do Bloco de Esquerda para pôr fim àquele mecanismo que comporta sérios riscos de branqueamento de capitais, corrupção, fraude, etc. De acordo com as regras da 1ª Comissão Parlamentar, onde o projecto está a ser discutido, é escolhido um deputado para elaborar um parecer com vista à apreciação de um projecto ou proposta de lei. Ora, para elaborar o parecer sobre o fim dos Vistos Gold foi eleito o deputado social-democrata Carlos Peixoto, consultor remunerado pela sociedade de advogados Caiado Guerreiro. Esta sociedade está especializada, entre outras coisas, no fornecimento de serviços assessoria jurídica a requerentes Vistos Gold. Esta Comissão Parlamentar conta com 23 membros efectivos, mas conseguiu eleger um dos dois deputados com interesses directos nesta matéria para elaborar um parecer que irá guiar o debate sobre o projecto de lei. Por isso, a TI-PT redigiu uma carta ao Presidente da 1ª Comissão e outra ao Presidente da Sub-Comissão de Ética a pedir explicações. Como o João Paulo Batalha tão bem afirmou “Pedir parecer sobre Vistos Gold precisamente a um deputado que trabalha num escritório especializado na intermediação de Vistos Gold é oficializar a captura do processo legislativo por quem tem interesses pessoais e de negócio na lei que está a ser discutida. É absurdo que a Comissão de Assuntos Constitucionais não encontrasse outra raposa para guardar este galinheiro.”

Questionado pela comunicação social, o distinto deputado afirma que conhece bem o estatuto de deputados, que não há lugar a inibição de direitos e que apenas está obrigado a declarar de forma transparente o facto de ser consultor para aquela sociedade (embora não tenha achado importante fazê-lo na redação do próprio parecer). O que o deputado Carlos Peixoto parece desconhecer são os conceitos de incompatibilidades, incapacidades e impedimentos, embora seja membro da comissão parlamentar que tem precisamente a competência de verificar, apreciar e emitir parecer, quando necessário, sobre estas matérias. O deputado acrescenta ainda que não existe qualquer conflito de interesse e que tem direito à sua opinião. Neste último ponto, concordamos. Carlos Peixoto tem direito a ter uma opinião e até votar a favor da manutenção dos Vistos Gold, mas também ter o dever de pedir escusa de intervir no processo legislativo. Apesar de concordarmos com a liberdade de expressão do senhor deputado, não deixamos de ficar surpreendidos que evoque o direito à sua opinião pessoal. Afinal foi Carlos Peixoto quem processou um cidadão reformado que expressou publicamente a sua opinião relativa à expressão “peste grisalha” que o senhor deputado utilizou para se referir à camada mais velha da população portuguesa. Contudo, a raposa velha parece ser Peixoto.

Susana Coroado
Investigadora e Vice-Presidente da Transparência e Integridade