Mesmo em pandemia, os comissionistas do futebol não fazem layoff

Do ponto de vista económico, sabem o que têm hoje em comum os jogadores portugueses João Félix e João Mário? 40 milhões de euros de perda de valor.

Em 2019, o Benfica vendeu João Félix ao Atlético de Madrid por 120 milhões de euros. Segundo o KPMG Player Valuation o jogador vale agora 87 milhões. Em 2016, o Sporting vendeu João Mário ao Inter de Milão por 40 milhões de euros. Esta semana o jogador desvinculou-se do clube sem qualquer compensação financeira!

Parecem ter sido péssimos negócios, mas na indústria do futebol são a regra habitual. No futebol, a capacidade de destruir valor no passe de um jogador é diretamente proporcional ao inflacionamento irracional do valor com que o mesmo foi adquirido. Todos os anos se transacionam jogadores por valores exorbitantes que, com algumas raras exceções, se traduzem em prejuízos futuros e aumento do endividamento dos clubes. Estranho! Não. É verdade que são negócios danosos para os clubes, mas são também demasiado convenientes e oportunos para os que servem deles.

Nas transferências de jogadores, há sempre generosas comissões pagas a agentes desportivos. Estes estão normalmente organizados em cascatas de complexas sociedades, sedeadas em paraísos fiscais ou jurídicos, cujos beneficiários efetivos raramente se conhecem.

Em apenas uma transação de um jogador, um agente desportivo pode cobrar comissões de milhões de euros. No ano passado, só em Portugal foram pagos 60 milhões de euros em comissões a agentes desportivos, dos quais 45 milhões apenas pelos três principais clubes.

Houve pandemia, os estádios fecharam portas, mas os comissionistas não precisaram de fazer layoff. Para eles, nunca falta negócio. Mesmo quando os clubes não ganham, eles já sabem como funcionam a receita. Os dirigentes culpam o treinador, assumem o prejuízo e, claro está, contratam novos jogadores, pagando sempre belas comissões.

Este mês, o aparato da prisão para interrogatório de Luís Filipe Vieira, presidente do Benfica, fez o país desportivo acordar de uma hibernação auto-induzida.

Apesar da sua recente reeleição, de forma esmagadora por uma maioria que desvalorizou ostensivamente a coincidência de suspeição do seu envolvimento em vários processos-crime, hoje já poucos duvidam que Luís Filipe Vieira, em conluio com agentes desportivos representantes de jogadores, atuou ardilosamente contra os interesse do próprio clube para beneficiar financeiramente de comissões sobre transações de jogadores.

Um fácil, tentador e vantajoso esquema de partilha de comissões. Mas este não é caso único, também já foram noticiadas suspeitas semelhantes sobre o anterior presidente do Sporting e até sobre o filho do atual presidente do FC Porto.

A promiscuidade nas relações entre dirigentes e agentes desportivos é uma doença endémica grave que, se não for imediata e fortemente combatida, criará metástases fatais em todo o sistema desportivo. No entanto, e apesar das inúmeras e graves evidencias ocorridas, este problema ainda não é suficientemente valorizado. A Estratégia Nacional Anti-Corrupção 2020-2024 nem sequer fala dele.

Os problemas mais graves do desporto já não são só o doping e a manipulação de resultados. São também e cada vez mais a corrupção e o branqueamento de capitais, que são facilitados pela irracionalidade económica das transferências de jogadores.

A lei de branqueamento de capitais e a crescente maior atenção das federações e dos reguladores de mercado são importantes, mas não suficientes. Há que mudar mentalidades e exigir maior escrutínio e transparência sobre as transações de jogadores, não só pelas autoridades, mas principalmente pelos adeptos dos clubes. As transferências de jogadores são, de longe, a principal fonte de financiamento e despesas dos clubes de futebol.

Na TI Portugal estamos empenhados em contribuir para o reforço da verdade desportiva e para tornar o futebol mais limpo do risco de corrupção. Estamos conscientes que o problema não é só Luís Filipe Vieira. Esta é a oportunidade para se exigir um profundo debate sobre a racionalidade económica dos preços de transferência de jogadores e das comissões aos agentes que os representam. Para isso, contem connosco.

Jorge Máximo
Vogal da Direção da TI Portugal