Muitos planos e declarações de intenções, muito pouca estratégia

Estávamos em dezembro de 2019 quando o governo anunciou a criação de um grupo de trabalho responsável por desenhar a proposta de uma estratégia nacional para combater a corrupção. No mesmo dia em que a Transparência e Integridade apresentava na Assembleia da República a petição que promovemos exigindo uma Estratégia Nacional Contra a Corrupção e que teve o apoio de mais de 8.500 cidadãos.

Depois de tantas expectativas e de uma longa espera, justificada pela necessidade para análise e avaliação ponderada dos muitos contributos recolhidos no âmbito da consulta pública, o governo aprovou, finalmente, a redação da proposta de Estratégia Nacional Anti-Corrupção, que irá submeter para discussão na Assembleia da República.

Uma estratégia que surgiu por pressão da Transparência e Integridade, que lançou em 2018 a campanha Juntos Contra a Corrupção. Esta campanha surgiu porque a corrupção sistémica não se combate com medidas avulsas e descoordenadas. Precisa de ser adotada na sequência de um debate amplo, participado e informado, com prazos de implementação definidos e de impacto mensurável.

Apesar de ser um documento pensado para os anos 2020 a 2024, dificilmente estará aprovado antes do final do primeiro semestre deste ano e começará a ser executada antes de 2022.

Enquanto associação cívica independente, cuja missão de centra no tema da integridade e luta contra a corrupção, participámos ativamente no processo de discussão pública, tendo evidenciado de forma aberta e construtiva as principais fragilidades e insuficiências que identificámos na proposta inicial e propusemos várias medidas e melhorias que permitiriam aumentar o alcance e resultados da estratégia.

A nova Estratégia Nacional incorpora, pela primeira vez, o recurso aos Pactos de Integridade, uma ferramenta criada pela Transparency International para monitorizar a maneira como os fundos públicos são utilizados e que em Portugal se encontra a ser implementada pela TI-PT desde 2016.

Apesar de reconhecermos que o documento agora apresentado foi alvo de um debate amplo, participado e informado, apresenta, ainda assim, várias falhas, uma vez que a redação final não acolheu a maioria dos contributos por nós sugeridos. Uma análise comparativa com o documento anterior permite até presumir que foram poucos os contributos externos incorporados.

No essencial, e retirando alguns aspetos de forma, como é o caso do próprio nome do documento, ou de maior clareza no conteúdo de alguns capítulos, a versão final pouco traz de novidade.

Continua vaga na visão e no posicionamento, omissa nas métricas e metas e descritiva na legislação já produzida e nos tratados já assinados e até nas entidades e estruturas criadas, mas sem avaliar a sua eficácia e os constrangimentos que condicionam a sua ação.

Continua muito incisiva nas dimensões educativas e de criação de normas regulatórias de conduta e compliance, que, sendo positivas, são completamente inócuas em termos de impacto até 2024.

Continua a desvalorizar as medidas rápidas que podem melhorar o funcionamento operacional e a capacitação da justiça e do escrutínio publico, aumentar a transparência e a abertura na execução de atos administrativos, reduzir o conflito de interesses e incompatibilidades.

Continua, igualmente, a não falar de investimentos concretos, datas de implementação, modelo de governança e prestação de contas.

Continua com medo de abordar, com clareza e objetividade, certos temas muito controversos, tais como o enriquecimento ilícito, os megaprocessos, a delação premiada, as incompatibilidades no exercício de cargos públicos, entre outros.

Não é esta a estratégia contra a corrupção de que Portugal precisa. A Estratégia Nacional Anti-Corrupção assim não chega, não mobiliza e não se afirma.

Se queremos que seja não mais do que um bonito e bem-intencionado documento de Estado a quem ninguém liga, a Assembleia da República pode avançar para a sua aprovação. Ou, pelo contrário, assumir que ainda não é esta a Estratégia Nacional de Combate à Corrupção que Portugal necessita e que não podemos ficar por aqui.

Como temos feito no passado, não hesitaremos em continuar a contribuir para uma melhor Estratégia Nacional Contra a Corrupção. Porque é essa a nossa missão e motivação.