Portugal entre os países com risco elevado de corrupção no setor da Defesa
Portugal está no grupo de países com risco elevado de corrupção no setor da Defesa, com 44 pontos em 100 possíveis, abaixo da média europeia (59/100). A avaliação é feita pela Transparency International, que publica esta terça-feira o Government Defence Integrity Index 2020, que avalia, a nível global, a qualidade dos controlos institucionais para gerir riscos de corrupção nas instituições de defesa e segurança.
Os resultados de Portugal demonstram uma evolução positiva relativamente aos dados de 2015, com destaque para as áreas temáticas do risco político e dos riscos associados à gestão de pessoal, mas continuam a registar-se problemas na prevenção e mitigação de riscos decorrentes da falta de fiscalização.
“A Assembleia da República continua a não exercer todo o espectro de poderes fiscalizadores que são sua prerrogativa. A Comissão de Defesa Nacional, por exemplo, não fiscaliza a ação do Ministério da Defesa Nacional com o detalhe e a distância que lhe compete”, considera Karina Carvalho, Diretora Executiva da Transparência Internacional Portugal.
Da mesma forma, no que se refere à transparência, os dados indicam que persiste uma diferença acentuada entre o reporte público de informação pelo Ministério da Defesa Nacional e pelos diferentes ramos das Forças Armadas. O esforço de publicação de dados pelo Ministério da Defesa Nacional no Portal da Defesa não é acompanhado pelo Estado-Maior-General das Forças Armadas, cuja presença pública é praticamente inexistente. Entre os ramos, o Exército tende a publicar mais informação, ao passo que a Força Aérea não o faz. Por fim, nenhuma das Direções-Gerais do Ministério da Defesa Nacional apresenta informação suficientemente detalhada sobre as suas atividades e boa parte da informação disponível está desatualizada.
Quanto ao reporte público de informação pela idD Portugal Defence, que gere as participações sociais que o Estado Português detém nas empresas na área da Defesa, apesar de constituir um salto qualitativo face à Empordef, continua a ser insuficiente. Sendo uma área sensível e estratégica, a Base Tecnológica e Industrial de Defesa Nacional deve obedecer a critérios apertados de reporte público.
A área de risco operacional é aquela que mais se destaca pela negativa, com uma pontuação de zero pontos.
“Num contexto em que a ação das Forças Armadas se desenvolve cada vez mais em teatros operacionais complexos, implicando cadeias logísticas com muitos intermediários e cadeias de comando, a inexistência de doutrina militar específica sobre riscos de corrupção é cada vez menos compreensível. Tanto o Conceito Estratégico de Defesa Nacional, em revisão, como o Conceito Estratégico Militar deveriam incluir secções específicas sobre prevenção e planos de mitigação de riscos de corrupção e de infrações conexas, que, como se viu até num caso recente, são absolutamente essenciais para garantir a integridade neste setor”, defende Karina Carvalho.
“Em nosso entender, o Instituto de Defesa Nacional tem a responsabilidade de liderar a criação de massa crítica a respeito de riscos de corrupção no sector da defesa e de comandar um processo de reflexão e de reforma institucional que absorva as potencialidades de programas como o NATO Building Integrity ou o próprio Defence & Security Programme da Transparency International”, acrescenta.
62% dos países apresentam riscos elevados de corrupção
O relatório da Transparency International revela que 62% dos países recebem uma pontuação global de 49/100 ou inferior, indicando um risco elevado a crítico de corrupção no sector da defesa em todas as regiões do mundo.
A Nova Zelândia lidera o índice, com 85 pontos, enquanto no final da lista se encontra o Sudão, com uma pontuação global de apenas 5 pontos, onde, em outubro deste ano, os militares tomaram o poder num violento golpe de estado. A pontuação média dos países do G20 é negativa: 49/100.
Quase todos os países apresentam uma pontuação fraca em termos de salvaguardas contra a corrupção em operações militares. Aqui, a pontuação média é de apenas 16 pontos, salientando que a maioria dos países carece de medidas anti-corrupção como pilar central no planeamento das suas missões.
Entre os países que têm uma pontuação particularmente baixa nesta área estão países que contribuem ou lideram grandes operações militares internacionais, como os Estados Unidos (18/100), França (10/100) ou Bangladesh (0/100).
“Estes resultados mostram que a maioria dos setores de Defesa e Segurança em todo o mundo carecem de salvaguardas essenciais contra a corrupção. A corrupção no setor da Defesa mina as forças de defesa, enfraquecendo a sua capacidade de proporcionar segurança aos cidadãos, proteger as fronteiras nacionais e trazer a paz. Nos piores casos, a corrupção no sector da defesa tem o potencial de exacerbar o conflito, em vez de lhe dar uma resposta eficaz”, defende Natalie Hogg, Diretora do Defence & Security Programme da Transparency International.
Corrupção no comércio de armas
O Government Defence Index mostra que 86% das exportações globais de armas entre 2016 e 2020 são originárias de países com um risco moderado a muito elevado de corrupção nos seus sectores de Defesa. Os cinco maiores exportadores – Estados Unidos (55/100), Rússia (36), França (50), Alemanha (70) e China (28) – representaram 76% do total global.
Quase metade das importações globais de armas (49%) são feitas por países que registam um risco elevado a crítico de corrupção em matéria de Defesa. Estes países não permitem que os legisladores, auditores ou sociedade civil escrutinem os negócios de armas, nem fornecem dados significativos sobre a forma como escolhem as empresas a quem comprar ou se terceiros estão envolvidos.
Esta falta de transparência deixa a porta completamente aberta ao suborno, ao desperdício de dinheiro público e à descoberta de armas nas mãos de organizações criminosas ou grupos terroristas.
Dado o impacto devastador na vida humana e na segurança que a corrupção continua a ter através do comércio global lícito e ilícito de armas, é vital que tanto os governos exportadores como importadores tenham fortes medidas anti-corrupção e que promovam a transparência no setor da Defesa.
Os países com má pontuação no GDI têm salvaguardas fracas ou inexistentes contra a corrupção no setor da Defesa e são mais propensos a experimentar conflitos, instabilidade e abusos dos Direitos Humanos. Estes resultados surgem numa altura em que a despesa militar global aumentou para cerca de 2 biliões de dólares anuais, alimentando a escala e a oportunidade para a corrupção.
Sobre o Government Defence Integrity
O Government Defence Integrity é a única avaliação global da governação e dos riscos de corrupção nos sectores da defesa.
O GDI era anteriormente conhecido como o Índice de Defesa Governamental Anti-Corrupção. O Índice passou por uma atualização importante para a versão de 2020, incluindo alterações à metodologia e à pontuação subjacente ao projeto. Isto significa que as pontuações globais dos países desta versão de 2020 não podem ser comparadas com as pontuações dos países das iterações anteriores do Índice.
O GDI avalia e pontua 86 países em cinco áreas de risco: financeira, operacional, pessoal, política, e aprovisionamento, antes de atribuir uma pontuação global.
|
Pontuação |
|
Riscos de corrupção |
A |
100 – 83 |
Salvaguardas muito robustas |
Muito baixo |
B |
82 – 67 |
Salvaguardas robustas |
Baixo |
C |
66 – 50 |
Salvaguardas medianas |
Moderado |
D |
49 – 33 |
Fracas salvaguardas |
Elevado |
E |
32 – 17 |
Salvaguardas muito fracas |
Muito elevado |
F |
16 – 0 |
Salvaguardas limitadas ou inexistentes |
Crítico |