Tudo bons rapazes

No país dos brandos costumes, chamar publicamente as coisas pelos nomes é considerado falta de educação, ou falta de sentido de Estado, ou, como agora se tornou popular dizer a propósito de quase tudo sem cuidar de separar o trigo do joio, populista.

Não nos enganemos. Este tipo de crítica infundada só tem um objetivo: silenciar o mais possível quem ousa questionar o status quo e a produção massiva de elites que se alimentam há anos da espoliação do que deveria ser de todos e para todos.

Há uma forma de fazer acontecer que se encontra institucionalizada, como se não houvesse alternativa, e há um conjunto de pessoas – pessoas, não instituições – para quem a lei e a ordem são detalhes há demasiado tempo. Que sobrevivem a investigações e escândalos como se estes nunca tivessem existido. Que estão acima de tudo e de todos. Que se riem da desgraça alheia e tiram o pão da boca dos pobres, aqui ou além-fronteiras. Que se banqueteiam dela.

E isto é assim há já muito tempo, não vem de agora. E por isso é que começa a faltar o discurso mais polido a quem se insurge, começa a não haver mais palavras para dizer o óbvio: que é uma vergonha.

No passado dia 18, a Comissão Europeia abriu um procedimento de infração contra Portugal porque não cumprimos as nossas obrigações em matéria de luta contra o branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo. Clarifique-se: por não assegurarmos a correta aplicação do direito da União Europeia neste domínio em benefício dos cidadãos e das empresas.

Já o ano passado levámos um puxão de orelhas da Comissão Europeia por tardarmos na transposição das Diretivas e agora, de acordo com a monitorização feita por Bruxelas ao nosso país, a transposição da lei da União para a legislação nacional apresenta deficiências ao nível do intercâmbio adequado de informações com as unidades de informação financeira (UIF) e da sua cooperação com outras UIF, quanto às obrigações de vigilância relativamente aos clientes ou a transparência dos registos centrais de beneficiários efetivos.

Ou seja, apesar dos escândalos, como o Luanda Leaks, Portugal continua a falhar redondamente na luta contra o branqueamento de capitais, e logo no primeiro estádio deste combate – o legislativo. E por isso só os mais crentes – ou totalmente descrentes –continuam a espantar-se ante a evidência de que a prevenção e a punição pró-ativas simplesmente não existem.

É uma vergonha, não há como dizê-lo de outro modo, que os mais altos responsáveis da nação – incluindo quem se senta no Parlamento – venham dizer-nos que a luta contra a corrupção está entre as suas prioridades. Não está. Nem nunca esteve.

E por estupidez ou por incúria, ou porque simplesmente isto é assim há já muito tempo, até os bons rapazes, capturados por gente fora da lei, ou dentro da lei, venha o diabo e escolha, se foram esquecendo da vergonha que é sermos conhecidos lá fora como lavandaria de luxo da Europa.

Enquanto isso, passados uns quantos meses escondidos na toca, outros saem dela com pompa e circunstância e parangonas nos jornais para voltar a fazer tudo como antes, como se nada fosse. Porque podem fazê-lo.

Ninguém sabe o conteúdo de inquéritos disciplinares ou criminais sobre eventuais falhas nas obrigações profissionais de prevenção do branqueamento de capitais e não se dá resposta às constantes interpelações que vimos fazendo, nomeadamente a propósito do que se passou no EuroBIC.

A questão que fica é: até quando?

Opinião de Karina Carvalho
Diretora Executiva da Transparência e Integridade