Isto não é sobre Joana Lima, é sobre o futuro da Democracia

O Parlamento ilibou a deputada Joana Lima de eventuais conflitos de interesse por ter facilitado a marcação de reuniões entre uma empresa privada e a empresa pública Parvalorem para a compra da Omni. Terá a deputada Joana Lima esclarecido, em audição no grupo de trabalho dedicado ao tema, que não obteve qualquer benefício direto ou indireto deste seu gesto.

Recordamos que o caso chegou à Assembleia da República graças a uma carta da Transparência e Integridade que questionava se o Código de Conduta dos Deputados teria sido violado pela deputada. Depois da nossa missiva, a Comissão da Transparência anunciou que ia passar a fazer inquéritos a atos que “comprometam a honra ou dignidade de qualquer deputado, bem como a eventuais irregularidade graves praticadas com violação dos deveres dos deputados”, relacionados com possíveis conflitos de interesses.

Não sabemos o que nos surpreende mais (ou menos, talvez). Se o facto de a Comissão de Transparência considerar que não existe conflito de interesse entre o mandato de deputada e a conduta de lóbista de Joana Lima; se o malabarismo de PS e PSD, disfarçado de formalismo processual, que recusaram a sugestão do Bloco de Esquerda de incluir no parecer que, pese embora a deputada não tenha tido benefício, já a empresa em causa tinha retirado vantagem, já que as reuniões só tiveram lugar graças à intervenção de Joana Lima.

No entanto, não estando surpresos, não estamos também convencidos que o caso esteja esclarecido. No futuro, perante este precedente aberto pela Comissão de Transparência de que, não havendo beneficio por parte do deputado, não existe conflito de interesse, várias questões se colocam. Em particular, suscita-nos os seguintes problemas:

  1. O que impedirá um deputado de obter um benefício pela ajuda a uma empresa, em particular no caso de esse deputado não se encontrar em regime de exclusividade, podendo por isso auferir outros rendimentos?
  2. Como se poderá garantir que um eventual benefício direto ou indireto – remuneração ou cargo na empresa em causa – por “facilitações” semelhantes não ocorrerá após a cessação do mandato do deputado, seja pelo fim da legislatura, seja por renúncia ao mandato? Uma vez fora do Parlamento, o deputado já não está abrangido pelo código de conduta, não haverá forma de controlar ou sancionar este benefício dilatado no tempo. Só a prevenção, parece-nos, poderia evitar este risco.
  3. Se a regulação do lobbying passar a lei e, tendo em conta que todos os projectos aprovados no início do ano prevêem a incompatibilidade da atividade de lobista com a titularidade de cargo político, como será a conciliação desta incompatibilidade com permissão que o Parlamento deu, na prática, aos deputados de fazer lobby?
  4. Significa esta decisão que, qualquer cidadão ou empresa, pode agora solicitar ao seu deputado que intervenha para, “em nome do interesse público, desbloquear processos e arranjar reuniões”, conforme as palavra das deputada?

Na carta que a TI Portugal enviou ao Presidente da Assembleia da República, colocaram-se logo duas perguntas fundamentais. Uma era se a Assembleia da República considerava que o entendimento da senhora deputada relativamente ao seu mandato, ou seja, de que era sua função marcar reuniões e interceder por empresas privadas, era o correto e partilhado pela própria Comissão. A segunda pergunta questionava se a Assembleia da República considerava que a conduta da senhora deputada na facilitação das referidas reuniões correspondia ao exercício normal das funções ou se coloca problemas éticos e de transparência no relacionamento com interesses privados.

Colocámos estas questões em particular porque este caso não é sobre a deputada Joana Lima, nem sobre os restantes 229 deputados em exercício. Nem é sobre uma reunião que resultou de uma cunha de um deputado. Este caso é sobre os parâmetros éticos que o Parlamento, pilar da democracia, estabelece para agora e para o futuro, para as legislaturas que se seguirão. É sobre o entendimento que o Parlamento tem relativamente ao seu papel na sociedade e na Democracia portuguesas e europeias. É sobre o respeito e a confiança que o Parlamento almeja que os cidadãos tenham pelos seus representantes eleitos. É, no fundo, sobre o futuro da Democracia.