Quem avisa amigo é. Em fevereiro do ano passado publicámos uma avaliação aos mecanismos de combate à fuga fiscal e branqueamento de capitais em Portugal, com um conjunto de recomendações e alertas. Nessa altura sublinhámos os riscos existentes na Zona Franca da Madeira, que oferece benefícios fiscais milionários às empresas aí registadas.
Dissemos que era necessário fazer um estudo abrangente do custo-benefício das isenções fiscais concedidas na Madeira, nomeadamente para saber se a receita fiscal perdida para o Estado é compensada pela criação de emprego real para os madeirenses. Alertámos para o risco de termos um offshore governado por uma empresa privada (o grupo Pestana) sob concessão (sem concurso público) do Governo madeirense. Recomendámos que todo o modelo de gestão e prestação de contas da Zona Franca fosse avaliado por um organismo internacional independente. As conclusões do nosso trabalho foram partilhadas em Bruxelas, com a Comissão Europeia e deputados ao Parlamento Europeu.
Hoje a Comissão Europeia mostrou que partilha das nossas dúvidas, iniciando uma investigação inédita ao offshore da Madeira. A Comissão quer saber, entre outras coisas, se os empregos criados pelas empresas registadas na Zona Franca são reais ou fictícios; e se os benefícios fiscais concedidos correspondem a auxílios de Estado ilegais à luz das regras comunitárias. Se chegar à conclusão de que foram dadas isenções fiscais indevidas, as empresas registadas na Madeira podem ter de pagar vários milhões de euros em impostos ao Estado.
Esta investigação é bem-vinda, porque é uma oportunidade para as autoridades nacionais prestarem as explicações que já tínhamos pedido no ano passado. A utilidade destes regimes especiais tem de ser discutida com dados concretos em cima da mesa, para que os custos e benefícios sejam claros e para que os cidadãos possam escrutinar com transparência a atividade do Fisco. Na semana em que também ficámos a saber que muitos crimes de fuga aos impostos foram amnistiados por sucessivas amnistias fiscais, é bom lembrar que um Estado de Direito também se funda no dever de todos os contribuintes pagarem a sua justa parte de impostos, sem facilidades para amigos e poderosos. Não se trata apenas de garantir ao Estado os recursos necessários para os serviços públicos e o bem-estar social. Trata-se de assegurar aos portugueses que vivemos num país com leis iguais para todos.
É bom ver que os nossos alertas têm reflexo na atuação das autoridades comunitárias. Cá estaremos para acompanhar o processo que agora se inicia e a resposta do Governo português.