Uma oportunidade fundamental para a protecção dos denunciantes
À medida que os países europeus implementam a nova diretiva da União Europeia relativa à proteção dos denunciantes, as pessoas devem fazer pressão para que sejam adotadas leis nacionais que ultrapassem os requisitos da diretiva, dando a todos os denunciantes a proteção de que necessitam.
Está a tornar-se cada vez mais seguro para os europeus fazerem denúncias. Em 2019, na sequência de uma vasta campanha pública, a União Europeia adotou uma diretiva relativa à proteção de denunciantes, que estabelece normas mínimas de proteção para os denunciantes que denunciam infrações ao direito comunitário em determinadas áreas. Esta é uma boa notícia para todos.
Até agora, os europeus têm vivido com níveis muito diferentes de proteção de denunciantes. Esta nova diretiva incentiva as pessoas a pronunciarem-se contra atos ilícitos que, de outro modo, poderiam passar despercebidos, ajudando a defender o jogo limpo e a integridade, pelo que toda a sociedade beneficia.
A diretiva protege os autores de denúncias num vasto número de posições dentro das empresas ou instituições, bem como os indivíduos que os ajudam: proíbe a retaliação; salvaguarda as suas identidades na maioria das circunstâncias; e oferece-lhes várias vias de denúncia. No entanto, subsistem lacunas preocupantes.
Entre as mais graves sobressai a de que nem todos os denunciantes, que denunciam em nome do interesse público, estão protegidos. A maioria dos denunciantes que hoje em dia expõem subornos e abusos de poder na política, nos sistemas de saúde, na polícia, nos tribunais e nos serviços do Ministério Público ou na educação, não estariam abrangidos. No entanto, muitos europeus consideram haver corrupção generalizada nestes sectores.
Também não estão abrangidos pela nova diretiva aqueles que denunciam violações relacionadas com a segurança no trabalho. A pandemia do COVID-19 mostra o quão importante isto é. As pessoas que denunciam a falta de equipamento de proteção pessoal não estariam protegidas pela diretiva.
Pessoas como a parteira polaca Renata Piżanowska. Em março de 2020, acabada de sair de um turno de trabalho com uma máscara caseira de toalhas de papel e elásticos, Renata avisou no Facebook que faltavam máscaras, fatos-macacos e luvas no hospital em que trabalhava. O diretor do hospital despediu-a.
Uma oportunidade para fechar as brechas
Os Estados-membros da União Europeia têm até dezembro de 2021 para transporem a diretiva para a legislação nacional. Esta é uma oportunidade fundamental para os países introduzirem legislação de proteção dos informadores que vá além dos requisitos da diretiva e colmatar estas lacunas. Se não o fizerem, muitos denunciantes continuarão a não dispor de proteção adequada. E os cidadãos da Europa ficarão a perder.
Uma proteção abrangente dos denunciantes encorajaria mais pessoas como Konstantin Ivanov, um polícia de trânsito na Bulgária, a denunciar a corrupção. Em 2011, Ivanov alertou os inspetores do Ministério do Interior para um esquema em que os agentes estavam proibidos de parar carros com determinadas matrículas. Estes pertenciam a empresas e indivíduos que doavam dinheiro ao ministério.
Quando os inspetores não tomaram qualquer medida, Ivanvov contactou um canal nacional de televisão. As suas revelações causaram um escândalo. Durante três meses, no início de 2011, o ministério tinha recebido doações de 3,3 milhões de euros de empresas e indivíduos, incluindo pessoas sob investigação.
O ministério não o negou. Em vez disso, os funcionários acusaram falsamente Ivanov de múltiplas infrações durante os seus 20 anos de carreira. Perante o assédio extremo e as ameaças do ministério para o processar, Ivanov demitiu-se.
Embora apenas dois colegas ousassem confirmar a história de Ivanov, vários apoiantes de Ivanov rapidamente criaram um grupo no Facebook, que apresentou uma petição ao Parlamento Europeu em seu nome. A Comissão Europeia investigação o programa de donativos no seu relatório de acompanhamento sobre a Bulgária em julho de 2011, concluindo que os donativos ameaçavam prejudicar a imparcialidade das investigações policiais. O primeiro-ministro búlgaro proibiu os pagamentos secretos, estabelecendo, em vez disso, um registo público online de donativos.
Garantir que as novas leis protegem todos os autores de denúncias
Apesar desta vitória, Ivanov continuou desempregado e a sua família passou maus momentos. Sem qualquer lei de proteção do denunciante, Ivanov não teve qualquer apoio para a reintegração ou a reparação dos danos causados à sua carreira e reputação.
Se a Bulgária vier a transpor a directiva da União Europeia sem alargar o seu âmbito de aplicação, de modo a incluir todas as violações da lei, denunciantes como Ivanov continuarão a não ter qualquer protecção. Mas, ao reforçarem a diretiva quando a aprovarem, os Estados da União Europeia podem mudar o sistema, fazendo com que as pessoas se sintam seguras e apoiadas para se manifestarem, com grandes benefícios para toda a sociedade.
Embora o Reino Unido já não faça parte da União Europeia, um caso de denúncia relacionado com o referendo ao Brexit, de 2016, mostra a importância de ter leis de denúncia com um vasto âmbito de aplicação. Após o referendo, o voluntário Shamir Sanni revelou ao The Observer que a campanha “Vote Leave” tinha violado as regras eleitorais para obter uma vantagem na disputa acirrada.
Denúncia de irregularidades para salvaguardar a democracia
Duas semanas antes do dia da votação, quando a campanha “Vote Leave” estava perto do limite legal de despesas em eleições, receberam uma doação de 1,1 milhões de euros. Conscientes de que isso violaria a lei eleitoral, doaram quase 700 mil euros à BeLeave, um grupo de jovens pró-Brexit. Mas Sanni rapidamente percebeu que BeLeave não podia usar o dinheiro. Em vez disso, foi gasto em publicidade nas redes sociais para a campanha “Vote Leave”. Embora fosse um eurocéptico convicto, Sanni sentia-se no dever de se manifestar.
O caso da “Vote Leave” foi encaminhado para a Comissão Eleitoral do Reino Unido e a campanha foi considerada culpada em 2018 de violação da lei eleitoral. Mas Sanni pagou um preço elevado. Marginalizado por colegas de campanha, foi despedido do seu emprego na TaxPayers’ Alliance pro-Brexit e foi apresentado como homossexual, numa declaração do gabinete do primeiro-ministro, uma violação de privacidade que, segundo ele, foi particularmente traumática para um muçulmano-paquistanês-britânico.
Sanni salientou que o escândalo não se prendia apenas com o referendo, mas com a proteção da democracia. No entanto, mesmo com tanto em jogo, um caso como este não seria abrangido pela diretiva da União Europeia. Da mesma maneira, alguém na posição do denunciante ucraniano sobre Donald Trump também não estaria abrangido. As alegações de que o presidente norte-americano abusou do seu cargo ao tentar pressionar o presidente da Ucrânia a investigar um dos seus rivais políticos acabaram por levar a um processo de impeachment contra o Donald Trump.
Aprovação de leis nacionais que dão plena proteção
Casos como estes mostram que é fundamental que, quando os países da União Europeia transpõem a diretiva para a legislação nacional, ultrapassem as suas exigências, colmatando lacunas e assegurando uma proteção abrangente de todos os denunciantes.
As pessoas precisam de saber que têm plena proteção jurídica se se manifestarem para se sentirem suficientemente seguras para fazer denúncias. Sem essas leis, os delitos podem não ser denunciados e os cidadãos ficam a perder. É por isso que os cidadãos da Europa têm de pressionar os legisladores nacionais para aprovarem legislação que ultrapasse as disposições da diretiva, incluindo a cobertura de todas as violações da lei em todos os domínios.
Os denunciantes são essenciais, revelando frequentemente informações vitais para o interesse público. A transposição da diretiva da União Europeia em relação à denúncia de irregularidades para a legislação nacional oferece uma oportunidade única de estabelecer uma proteção jurídica plena e uma cultura de apoio à denúncia. É uma oportunidade que os países – e as suas populações – não podem dar-se ao luxo de perder.