Uma lei que se adivinha minimalista e sem proteger toda a gente que denuncia
Celebra-se esta quarta-feira mais um Dia Mundial dos Denunciantes, a poucos dias de se começarem a discutir na Assembleia da República as propostas para a primeira Lei de Proteção de Denunciantes em Portugal, apresentadas por Governo e partidos com assento parlamentar.
Desde a fundação da TI Portugal, em 2010, que advogamos a necessidade de garantir que as pessoas que divulgam ou denunciam irregularidades e crimes estão protegidas de qualquer forma de retaliação ou discriminação.
Passados mais de dez anos, registamos o avanço nas mentalidades, mas ainda há muito que fazer em benefício das pessoas que, com coragem, denunciam a corrupção, infrações e violações legais, erros judiciários, riscos específicos para a saúde pública, segurança ou meio ambiente, abuso de autoridade, uso não autorizado de fundos ou bens coletivos ou públicos, má gestão, conflitos de interesses, e quaisquer outros atos que visem encobrir qualquer uma destas práticas, mas também a prostituição e tráfico de seres humanos, a violência doméstica, o assédio sexual e/ou moral na escola ou no local de trabalho.
Entre 2017 e 2019, juntamente com outras organizações da sociedade civil na Europa, trabalhámos afincadamente pela aprovação da Diretiva Europeia de Proteção de Denunciantes. Em Portugal, reunimos com inúmeras partes interessadas, desde instituições públicas, sindicatos, a partidos políticos, e todos foram unânimes em considerar que era preciso reforçar os mecanismos de proteção de denunciantes no nosso país.
Saudamos, por isso, as iniciativas legislativas que vão a debate no Parlamento na próxima sexta-feira, dia 25, mas não podemos deixar de alertar para o facto de, nomeadamente a proposta da Ministra da Justiça Francisca Van Dunem, ficar muito aquém do que seria de esperar de um Governo que acaba de aprovar a sua Estratégia Nacional Anti-Corrupção.
Portugal com progresso limitado na transposição
O último relatório conjunto da Transparency International (TI) e Whistleblowing International Network (WIN) mostrava Portugal no lote de países da União Europeia com mínimo ou nenhum progresso na transposição da legislação europeia, que terá de ser concluída até 17 de dezembro deste ano, e tudo indica que a nossa Lei de Proteção de Denunciantes será minimalista.
O governo ignorou não apenas as recomendações de especialistas e de organizações da sociedade civil, como a TI Portugal, mas também da própria Comissão Europeia, que vem exortando os Estados-Membros a que adotem um sistema de proteção mais abrangente, que vá além dos padrões mínimos inscritos na Diretiva.
Se a proposta da Ministra Van Dunem for aprovada na Assembleia da República, apenas serão considerados denunciantes, isto é, protegidos pela lei, as pessoas que denunciem ou divulguem infrações com fundamento em informações obtidas no âmbito da sua atividade profissional.
Ficam de fora as vítimas e/ou testemunhas de:
- má governança e de má gestão fora do local de trabalho e das relações profissionais;
- prostituição e/ou tráfico de seres humanos;
- violência doméstica;
- assédio sexual e/ou moral na escola ou local de trabalho; e
- crimes ambientais
Ou seja, todas as pessoas que não tenham denunciado ou divulgado irregularidades e crimes com base em informações obtidas no âmbito da sua atividade profissional ficarão automaticamente excluídas da proteção.
Homens e mulheres destemidos, como Arlindo Marques, mais conhecido como Guardião do Tejo, e que esteve até maio deste ano a braços com um processo de difamação por ter denunciado infrações ambientais, ficarão fora do âmbito da proteção. E o mesmo se passa tratando-se de organizações da sociedade civil trabalhando em defesa dos dos direitos civis, direitos humanos ou direitos ambientais.
As nossas recomendações
A TI Portugal roga ao Governo e aos partidos políticos presentes na Assembleia da República que dotem a legislação Portuguesa e um amplo escopo de material cobrindo todas as violações da lei (nacional ou da UE) e as ameaças ou danos ao interesse público e que estendem as medidas de proteção a todas as pessoas, sem excepção – incluindo as que se tomem por denunciantes mesmo que por engano, ou ainda que apenas potencialmente – e organizações da sociedade civil que dão assistência a denunciantes.
Defendemos, igualmente, que se designe uma autoridade independente, responsável por supervisionar e aplicar a legislação, bem como a recolha e publicação de relatórios de monitorização sobre a implementação da lei de proteção de denunciantes no nosso país.
O progresso de Portugal na transposição da Diretiva Europeia de Proteção de Denunciantes tem sido lento, mas ainda estamos a tempo de verdadeiramente proteger quem denuncia.