Proteger quem denuncia: 1-0 ao intervalo

A nova Diretiva Europeia para a proteção de denunciantes, aprovada formalmente o mês passado, é uma vitória da sociedade civil e dos cidadãos no combate à corrupção. Agora vem outro desafio decisivo: transpo-la de forma sólida e eficaz para a lei portuguesa

«Este é um dia histórico para todos os que querem expor a corrupção e o abuso», disse o nosso colega Nick Aiossa, Senior Policy Officer do gabinete da Transparency International junto das instituições europeias, em Bruxelas, quando foi anunciado o acordo para a adoção da Diretiva que, pela primeira vez, cria regulação de nível europeu para proteger quem faz denúncias de boa fé – os chamados whistleblowers ou, em tradução literal, os que “sopram o apito”. «Os whistleblowers na União Europeia, como o Howard Wilkinson, que revelou o escândalo Danske Bank, têm suportado durante demasiado tempo retaliações injustas for fazerem ouvir a sua voz. É um feito notável que as negociações entre as instituições europeias tenham chegado a um resultado positivo».

A nova legislação europeia obriga as organizações públicas e privadas a instalarem canais seguros de denúncia, regula os direitos dos denunciantes – a começar pelo direito a reportarem as suas suspeitas em segurança, inclusive sob anonimato – e estabelece penalizações para quem perseguir cidadãos por terem tido a coragem de dar o alerta sobre situações ilegais ou ilegítimas nas suas organizações. É um direito fundamental, de apontar o que está errado sem ser penalizado por isso.

A Transparência e Integridade, juntamente com os nossos parceiros da Transparency International em vários países da União e, sobretudo, dos nossos colegas junto das instituições europeias, bateu-se durante vários anos por esta diretiva. Estivemos em Bruxelas, em eventos com eurodeputados de vários países. Insistimos na necessidade desta regulação junto da Comissão Europeia, nas várias missões de avaliação a Portugal organizadas no quadro do Semestre Europeu, o mecanismo de monitorização de políticas económicas e fiscais da UE, que inclui o combate à corrupção. Produzimos conhecimento sobre o problema, e as falhas do sistema de proteção em Portugal.

A Diretiva agora adotada reconhece que os denunciantes que se expõem para revelar situações de abusos e violações à lei ou escândalos de enorme relevância pública se tornam, demasiadas vezes, as primeiras vítimas dos seus próprios alertas. Reconhece em suma, como há muito vimos dizendo, que quem denuncia protege; vamos proteger quem denuncia.

Foram muitos anos de trabalho empenhado para chegarmos até aqui. Mas estamos só no intervalo. A vitória da sociedade civil europeia em Bruxelas tem de transformar-se numa vitória da sociedade civil em Portugal, onde esta diretiva terá de ser transposta e adotada para a nossa legislação. O jogo ainda não acabou. Pela nossa parte, vamos pôr na segunda parte do desafio a mesma energia e empenho que pusemos na primeira metade.

A Transparência e Integridade tem liderado a discussão. Não só temos dinamizado sessões de informação com agentes do sector público e privado sobre os desafios da nova diretiva, como juntámos à mesma mesa, em sessões de trabalho, líderes da Justiça, Administração Pública, reguladores, advogados, associações empresariais, sindicatos e ativistas para formarmos uma coligação de apoio a uma exigente e sólida transposição da Diretiva. A nova lei europeia deve servir não só para combater desvios ao Direito comunitário, mas ser o modelo que se aplique também aos denunciantes de violações à lei portuguesa e à defesa do interesse público.

Em última análise, a qualidade de uma democracia depende da capacidade de cada cidadão ter uma voz e cada voz ser ouvida. É por isso que nos bateremos, juntamente com esta coligação de apoio que queremos formar, para que as vozes dos denunciantes sejam ouvidas e protegidas.