
Resultados do Índice de Perceção da Corrupção 2024
No Índice de Perceção da Corrupção 2024, publicado anualmente pela Transparency International, Portugal, que é avaliado no conjunto dos países da Europa Ocidental e União Europeia, obteve 57 pontos, fixando-se na 43ª posição em 180 países. O desempenho de Portugal foi um dos piores da Europa Ocidental, com uma queda de 4 pontos na pontuação e a perda de 9 posições no ranking global. Este é o pior resultado desde que o Índice começou a ser publicado em 2012 e reflete um declínio contínuo desde 2015.
A descida de Portugal foi impulsionada pela deterioração das avaliações de várias fontes utilizadas no cálculo deste Índice. O declínio foi particularmente impulsionado pela perceção de abuso de cargos públicos para benefícios privados e por fragilidades nos mecanismos de integridade pública para evitar esse abuso.
Entre os principais fatores identificados, nessas fontes, salientamos:
- A avaliação negativa da eficácia do combate à corrupção e do funcionamento das instituições públicas, configurando problemas de aplicação da lei.
- Fragilidades na implementação de política anticorrupção e na supervisão do setor público, incluindo lacunas na prevenção de conflitos de interesse e na declaração de bens por políticos.
- Avaliação negativa devido a nepotismo, favoritismo político e financiamento partidário pouco transparente.
Portugal ficou ainda abaixo da média europeia no que respeita à perceção da integridade no setor público. Escândalos recentes, como por exemplo a “Operação Influencer”, foi apontada como um dos fatores que contribuíram para o aumento da perceção de corrupção nas ligações entre política e negócios.
A queda de Portugal neste Índice reflete fragilidades persistentes na luta contra a corrupção e na transparência das instituições públicas. Apesar da criação de novos mecanismos legais, a perceção internacional indica que a implementação e fiscalização continuam aquém do necessário. Há falhas reconhecidas na implementação da estratégia anticorrupção do governo, bem como falta de recursos para monitorizar o executivo.
Portugal tem agora o desafio de demonstrar progressos concretos na implementação de reformas, para evitar que a sua posição continue a deteriorar-se nos próximos anos e para recuperar a confiança internacional na integridade do seu setor público.
Margarida Mano, que preside ao capítulo português da Transparency International, coligação mundial de ONG’s anticorrupção, afirma que “os resultados do Índice de Perceção da Corrupção 2024 servem de alerta para o dano reputacional que Portugal está a sofrer por não ter uma ação eficaz na luta contra a corrupção. O pior resultado de sempre deve-se em primeiro lugar a uma componente cumulativa. Portugal tem identificados problemas estruturais que não vêm a ser corrigidos, com impacto e desgaste ao longo do tempo, revelando falta de compromisso político e baixa eficácia nas ações desenvolvidas. Existem também circunstâncias conjunturais, como a Operação Influencer, com impacto na percepção da integridade no setor publico, que contribuem para este resultado. O caminho para melhorar a reputação de Portugal no combate à corrupção é só um: assumir o compromisso efetivo e agir. A TI Portugal esteve, está e estará ao lado dos que querem efetivamente assumir esse compromisso.”
Resultados globais
O Índice de Perceção da Corrupção 2024 revelou uma tendência preocupante de estagnação e retrocesso global no combate à corrupção. A média global dos 180 países avaliados manteve-se baixa (43), com mais de dois terços dos países a registarem pontuações abaixo de 50 (numa escala de 0 a 100, onde 0 representa um nível extremamente elevado de corrupção percebida e 100 indica um setor público altamente íntegro). O ranking é liderado pela Dinamarca que atingiu uma pontuação de 90 pontos, seguido da Finlândia (88) e Singapura (84) e Nova Zelândia (83).
Países com democracias frágeis ou regimes autoritários continuam a apresentar as piores classificações, demonstrando a forte correlação entre corrupção, falta de transparência e ausência de instituições democráticas robustas. Alguns países do Golfo Pérsico, como Bahrein, Omã e Arábia Saudita, registaram melhorias significativas, nomeadamente em resultado de implementação de reformas de governança e digitalização de processos públicos.
Com 64 pontos de pontuação média, a Região da Europa Ocidental e União Europeia continua a ser a mais bem pontuada no ranking . No entanto, em 2024 esta região apresenta cerca de 1/3 dos seus 31 países com reduções de pontuação iguais ou superiores a 3, refletindo uma degradação generalizada das pontuações nos países europeus, pelo segundo ano consecutivo, e onde apenas Islândia, Eslovénia, Luxemburgo e Chipre se destacam pela positiva. Malta e Eslováquia, com –5 pontos, foram os países da região com maior degradação na sua pontuação. Portugal é um dos 5 países com quedas de 4 pontos.
Registe-se o retrocesso em grandes economias europeias, como França (-4 pontos), Alemanha (-3 pontos), Espanha (-4 pontos) e Itália (-2 pontos), evidenciam falhas nos mecanismos de integridade e aplicação da lei. Salienta-se a existência de desafios na transparência de contratos públicos, onde continuam a surgir casos de favoritismo e corrupção em grandes projetos de infraestrutura. A queda de vários países europeus é também atribuída a desafios na implementação de medidas anticorrupção e na fiscalização de crimes financeiros e empresariais.
Em face da forte sensibilidade do ranking relativo à pontuação, pela existência de muitos países com pontuações semelhantes, a queda de 4 pontos na pontuação de países como Portugal e Espanha , traduziram-se em downgrade de 9 e 10 posições no ranking, respetivamente. De realçar o caso italiano onde uma perda de 2 pontos deu lugar a um downgrade de 10 posições. Espanha e Itália, com 56 e 54 pontos, continuam a ocupar uma posição no ranking pior que Portugal, 46ª e 52º, respetivamente.
Recomendações da Transparência Internacional Portugal (TI Portugal) para melhorar a reputação internacional do nosso país no combate à corrupção
Apesar reforço do quadro normativo e institucional nos últimos anos, como a criação do Mecanismo Nacional Anticorrupção (MENAC) e a adoção da Estratégia Nacional de Combate à Corrupção, Portugal continua a enfrentar desafios estruturais significativos:
- Falta de clareza e compromisso político: a estratégia anticorrupção carece de metas concretas, convicção e empenho político, resultando numa implementação tardia e ineficaz.
- Baixa eficácia na aplicação das leis anticorrupção: os processos judiciais são excessivamente demorados, frustrando as expectativas dos cidadãos e revelando fragilidades na condução justa e célere da justiça.
- Recursos insuficientes nas entidades de fiscalização: a falta de meios humanos e financeiros compromete a capacidade de monitorização, punição de infrações e atuação eficaz, gerando desconfiança na sociedade quanto à real utilidade dessas instituições.
- Ausência de regulamentação do lobbying: Portugal continua sem um quadro legal específico para a representação de interesses, ao contrário de vários países europeus. Essa lacuna prejudica a transparência, a qualidade do processo legislativo e a confiança na tomada de decisões públicas.
- Deficiências na declaração de património e rendimentos de políticos: a Entidade para a Transparência, criada em 2019, apenas começou a operar efetivamente em 2024, tendo ainda um longo percurso para ganhar a confiança da sociedade civil e de organismos internacionais.
A TI Portugal, apesar dos desafios relacionados com a limitação de recursos humanos e financeiros, tem mantido uma atuação persistente na advocacia e sensibilização junto dos principais agentes políticos para reforçar os mecanismos de transparência e combate à corrupção. Em 2024, entre outros, a TI Portugal:
- Elaborou um caderno eleitoral com 28 medidas anticorrupção concretas, desafiando todos os partidos candidatos às eleições legislativas a subscrevê-lo.
- Participou ativamente na consulta pública da agenda anticorrupção, emitindo comentários, recomendações e alertas sobre as propostas do novo governo.
- Realizou reuniões parlamentares com os partidos políticos para discutir prioridades no combate à corrupção.
- Celebrou um protocolo de colaboração com o MENAC para apoiar a discussão, divulgação e implementação do regime geral de combate à corrupção.
Ao apresentar os resultados deste Índice, a TI Portugal salienta as seguintes áreas de ação prioritária para reforçar a transparência e recuperar a posição e credibilidade de Portugal no contexto internacional da luta contra a corrupção:
- É essencial fortalecer a implementação da estratégia nacional anticorrupção, garantindo não apenas a identificação e correção das falhas que persistem até hoje, mas também a definição de metas objetivas e métricas claras que permitam avaliar progressos anuais até 2030, alinhadas com recomendações internacionais.
- As entidades responsáveis pelo combate à corrupção, como a Entidade para a Transparência e o MENAC, devem ser reforçadas com recursos financeiros e autonomia orçamental adequados, permitindo-lhes atuar de forma eficaz e independente no cumprimento da sua missão.
- Portugal deve ainda aprovar legislação específica para o lobbying, seguindo as melhores práticas internacionais. A criação de um Registo de Transparência da Representação de Interesses e a obrigatoriedade de publicação de pedidos de escusa por parte de membros do governo devido a conflitos de interesse são passos fundamentais para garantir maior transparência na tomada de decisões políticas.
- No setor judicial, é urgente reforçar a eficácia da aplicação da lei no combate à corrupção. Para isso, o país deve adotar um novo quadro legal e operacional que permita acelerar investigações e julgamentos de crimes económico-financeiros, eliminando a complexidade dos megaprocessos, combatendo expedientes dilatórios e reduzindo o risco de prescrição por atrasos processuais.
- A transparência na administração pública também precisa de melhorias significativas. O desenvolvimento de ferramentas digitais acessíveis à sociedade civil permitirá um escrutínio independente e informado sobre o funcionamento das instituições públicas, promovendo uma cultura de responsabilização.
- Por fim, o controlo de património e rendimentos dos políticos deve ser mais rigoroso. Para evitar conflitos de interesse e garantir uma administração pública íntegra, é essencial fortalecer o regime de impedimentos, aumentar a transparência nos critérios de seleção para cargos públicos e combater o fenómeno das “portas giratórias” entre setores políticos e privados.
No entender de Jorge Máximo (Vogal da Direção da TI Portugal), “Portugal deve encarar os resultados do CPI 2024 como um alerta e uma responsabilidade. Um alerta para a urgência de fortalecer a transparência e o combate à corrupção, e uma responsabilidade para garantir a implementação eficaz de medidas que consolidem uma governação mais íntegra e eficiente. Não basta legislar – é preciso agir com determinação e alcançar resultados concretos. O mundo está de olhos em nós. A responsabilidade é coletiva e, sem exigência e vontade, Portugal perderá. Os nossos filhos não nos perdoarão.”
Sabe mais sobre o resultado do Índice de Perceção da Corrupção 2024 na página dedicada.