RTP 3 - Reflexão sobre a Justiça e os mecanismos de Combate à Corrupção em Portugal

Margarida Mano, Presidente da TI-PT, participou no dia 08 de julho no Programa 360º da RTP 3, num debate e análise crítica sobre o estado atual da justiça e os mecanismos de combate à corrupção em Portugal, sublinhando a necessidade urgente de reformas estruturais e de um compromisso efetivo por parte dos decisores políticos.

No dia em que foi publicado Relatório 2025 sobre o Estado de Direito fica claro que, apesar dos progressos realizados relativamente a 2024, Portugal é instado a cumprir um conjunto de Recomendações que vão desde: o facto da Estratégia Nacional Anticorrupção 2020-2024 ainda não ter sido avaliada; à atividade de lobby continuar por regulamentar; a necessidade de tomar medidas reforçadas para garantir a adequação da legislação processual penal para tratar mais eficazmente processos penais complexos: à conclusão das reformas destinadas a melhorar a transparência do processo legislativo, em particular no que respeita à aplicação dos instrumentos («regimes») de avaliação de impacto.

Margarida Mano começou por ressaltar que durante estes 12 anos (relativos aos processos do antigo Primeiro-Ministro), quem têm suportado os custos da justiça são os cidadãos, que têm o direito de ver o sistema a funcionar eficazmente. Foi a sociedade que esteve a pagar toda a estrutura do MP e dos Tribunais para que se faça Justiça. Existem recursos públicos em processos que se arrastam e são inconsequentes.

O caso José Sócrates não é apenas um julgamento a um ex-primeiro-ministro. É um retrato cru das fragilidades do Estado de direito. Ao longo de mais de uma década, acumulou incidentes, recusas de juízes, recursos sucessivos e estratégias que, mesmo legítimas, transformaram o processo num teste de resistência ao próprio sistema judicial. Para muitos cidadãos, tornou-se o símbolo de que quem tem poder consegue adiar tudo até à prescrição ou ao cansaço público.

Destacou também a existência de múltiplos indicadores e sinais de alerta e deteção da corrupção que demonstram que é preciso atuar. Mencionou como exemplo o facto do Banco de Portugal, 1T 2025, ter instaurado 115 processos contraordenacionais, dos quais 15 por infrações ao dever de prevenção do branqueamento de capitais, o que demonstra ação regulatória, mas também a necessidade permanente de vigilância. Por outro lado a Procuradoria Europeia tem hoje mais de 40 processos ativos em Portugal relacionados com fraude, corrupção ou branqueamento de capitais lesivos para o orçamento da União. Estima-se um dano financeiro de 321 milhões de euros sob investigação. Só em 2024 foram abertos 67 inquéritos, incluindo casos específicos ligados ao PRR. Estes números não são abstratos: são fraudes reais que desviam dinheiro público e fragilizam a confiança dos cidadãos.

Referiu ainda que, embora já existam mecanismos que têm funcionado no que diz respeito ao combate à corrupção, como os Canais de Denúncia, estamos muito aquém do que é exigível a um país, nomeadamente, da União Europeia.

Sublinhou a importância de seguir as recomendações de organismos como o GRECO e o OLAF. O OLAF confirmou casos em Portugal de fraude documental para obter fundos europeus, concursos simulados, sobrecustos injustificados. Em 2022, recomendou a recuperação de milhões de euros. A fraude não é uma exceção – é um risco estrutural que exige vigilância constante, auditorias sérias e capacidade de investigação técnica. Por outrolado a Comissão Europeia, no mais recente Country Report, sublinha que Portugal continua a ter problemas na execução atempada da justiça penal, em especial nos crimes económicos e de corrupção. Aponta para a falta de recursos humanos, a necessidade de reforço de formação especializada e de meios técnicos, e alerta para o risco de execução apressada de fundos sem garantir impacto duradouro. Relativamente à ENAF – Estratégia Nacional Antifraude – por exemplo, defendeu que é fundamental avançar com a implementação efectiva desta Estratégia, uma vez que estão em causa milhões de euros provenientes dos fundos europeus.

Os relatórios internacionais deixam claro que não basta ter boas leis no papel. É preciso garantir eficácia na prática, com investigações sólidas, julgamentos em tempo útil e condenações que mostrem que a lei vale para todos.

Precisamos de menos regimes especiais e mais capacidade técnica. Precisamos de auditorias independentes, concursos públicos transparentes, registos centralizados, sistemas de compliance que funcionem. Precisamos de servidores públicos bem formados e valorizados, capazes de resistir a pressões e de decidir com rigor.

Salientou ainda que há um conjunto de mecanismos que foram criados, e é nisso que a democracia se baseia, no sentido de salvaguardar e prevenir a corrupção. Margarida Mano reconhece que Portugal tem feito muito ao longo dos anos, mas não o suficiente para garantir um escrutínio eficaz e a leitura atempada dos sinais de alarme. Este processo do antigo Primeiro-Ministro expõe claras fragilidades da justiça.

Enfatizou por fim que é essencial que os decisores não só do ponto de vista do poder judiciário, mas também legislativo, e executivo, tenham a coragem de fazer as mudanças e avaliações necessárias. Afirmando: “Nós não podemos criar mecanismos estruturados para o combate à corrupção que, depois, não funcionam. Tudo isso é lesivo para a Democracia. Temos que confiar que por um lado temos mecanismos para impedir a corrupção e por outro que os atos de corrupção sejam julgados de maneira célere.”

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