#SuisseSecrets: quando é a banca a esconder os beneficiários efetivos

Imagem: OCCRP

Foi divulgada, este fim-de-semana, nova fuga de informação com um banco no epicentro, desta feita o Crédit Suisse, uma das maiores instituições financeiras mundiais e uma referência incontornável da banca suíça.

Os #SuisseSecrets, investigação internacional coordenada pelo Organized Crime and Corruption Reporting Project (OCCRP), revelaram que este banco ocultou, durante décadas, fortunas de ditadores, traficantes de droga e pessoas politicamente expostas, num valor acumulado de cerca de 88 mil milhões de euros.

Segundo o Expresso, parceiro português envolvido na investigação do OCCRP, entre as centenas de clientes identificados estão mais de cem pessoas com nacionalidade portuguesa, entre as quais Álvaro Sobrinho, antigo presidente executivo do Banco Espírito Santo Angola (BESA), e Hélder Bataglia, fundador da ESCom, braço não financeiro do Grupo Espírito Santo em Angola, ambos a braços com a Justiça por suspeitas de branqueamento de capitais.

Ambos foram clientes do Crédit Suisse durante vários anos e os dados agora divulgados revelam que Álvaro Sobrinho detinha doze contas e Hélder Bataglia era titular de dez. Numa delas, o antigo CEO do BESA chegou a ter cerca de 70 milhões de euros. Além disso, terão partilhado três contas, curiosamente todas abertas no mesmo dia: 26 de janeiro de 2011.

Importa recordar que o BESA foi um dos fatores da derrocada do GES/BES – responsável por 2,75 mil milhões do total de 4,9 mil milhões das necessidades de capital do Novo Banco – e que Hélder Bataglia é arguido na Operação Marquês, acusado de cinco crimes de branqueamento e dois crimes de falsificação de documento, abuso de confiança e abuso de confiança fiscal qualificada.

O Crédit Suisse ignorou sucessivos alertas dos próprios funcionários sobre movimentos e clientes suspeitos, o que denota que os escândalos que vamos conhecendo não são casos isolados, não são falhas de um só banco ou de um só país, mas sim uma questão sistémica, que acontece com demasiada frequência.

Foi a partir do 11 de setembro que se começou a apertar o controlo sobre o branqueamento de capitais. Desde então, os Estados Unidos e a União Europeia têm forçado as instituições financeiras sob sua alçada a partilhar mais informação, recusar determinados clientes e a informar sobre os riscos de evasão fiscal.  No entanto, isto não acontece com os países fora da União Europeia onde se permite o branqueamento de capitais e que utilizam os bancos suíços para esconder dinheiro roubado.

Os #SuisseSecrets revelaram igualmente que entre os clientes do Crédit Suisse estavam pessoas ligadas ao regime de Obiang, na Guiné Equatorial, e José Filomeno dos Santos, um dos filhos do ex-presidente de Angola, já condenado por desvio de fundos públicos.

As leis anti-branqueamento de capitais obrigam os bancos a fazer o controlo dos clientes, traçar o seu perfil, investigar a origem dos fundos e avisar as autoridades no caso de transferências suspeitas. Além disso, têm também a obrigação de não estabelecer relações de negócio ou recusar determinados clientes, uma obrigação que muitas vezes optam por esquecer, atraídos pelas somas avultadas provenientes de regimes cleptocráticos ou de atividades ilegais altamente lucrativas.

Ao ocultar os beneficiários efetivos, a banca mundial tornou-se cúmplice da grande corrupção e da lavagem de dinheiro em larga escala.

A TI Portugal juntou-se ao apelo da Transparency International para travar as empresas de fachada e outros mecanismos destinados a ocultar os beneficiários últimos de rendimentos obtidos através da fraude, corrupção, evasão fiscal, violações de direitos humanos, tráfico de droga e de pessoas, terrorismo e outras atividades criminosas.

Na reunião do Grupo de Ação Financeira (GAFI/FAFT), que decorre em Paris até ao próximo dia 8 de março, será discutida a proposta de revisão da Recomendação 24, que estabelece o standard internacional das políticas de combate ao branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo.

Este é um passo determinante no sentido da transparência relativamente aos beneficiários efetivos, mas é preciso fazer muito mais para garantir que as recomendações são de facto implementadas.

Lê a carta aberta que enviámos ao Diretor da Unidade de Informação Financeira da Polícia Judiciária, enquanto representante de Portugal na reunião do GAFI/FAFT.