Vale a pena pressionar os poderes
António Costa anunciou que irá anunciar em setembro o pacote anti-corrupção, com medidas como tribunais mais especializados, colaboração premiada ou a separação de mega-processos.
Desde julho de 2019 que vimos alertando para a necessidade de o país adotar uma verdadeira Estratégia Nacional Contra a Corrupção. Uma sondagem de julho do ano passado, realizada pelo Instituto de Ciências Socias e do ISCTE, revelava que a Corrupção era cada vez mais uma preocupação dos portugueses, só atrás da Saúde.
Um estudo feito pelo Serviço de Pesquisa do Parlamento Europeu – departamento de pesquisa interno e think tank do Parlamento Europeu – estimava que, em Portugal, pelo menos 18 mil milhões de euros se perdem para a corrupção… um valor que representa 7,9% do PIB.
A propósito deste anúncio do primeiro-ministro, o Observador fez as contas sobre o que daria para pagar este valor:
- É mais de 10 vezes superior ao orçamento dirigido ao apoio a desempregados, cerca de 1,8 mil milhões de euros;
- Supera o orçamento para a área da Saúde: cerca de 16,1 mil milhões de euros;
- Representa cerca de 80% do orçamento para cuidados com idosos: cerca de 22,4 mil milhões de euros;
- Multiplica por nove o orçamento atribuído às polícias e às famílias e às crianças: quase 1,9 mil milhões de euros;
- É 314 vezes superior ao orçamento para políticas habitacionais: 58 milhões de euros;
- É sete vez superior ao orçamento para doenças e invalidez: cerca de 2,4 mil milhões de euros; e
- Representa o dobro da verba anual alocada à Educação: 8,7 mil milhões de euros.
No entanto, a corrupção não se combate com medidas avulsas e descoordenadas. Portugal precisa de uma Estratégia Nacional Contra a Corrupção, adotada na sequência de um debate amplo, participado e informado e com prazos de implementação definidos e de impacto mensurável.
Ficamos a aguardar pela proposta do Governo, mas esperamos que contemple os cinco pilares que definimos na nossa Estratégia Nacional Contra a Corrupção, já apresentada ao Parlamento:
- JUSTIÇA, garantindo a independência, capacitação e meios legais e materiais do sistema judicial para combater a corrupção, punindo os responsáveis e recuperando os ativos;
- POLÍTICA, reforçando a aplicação efetiva de exigentes padrões de conduta, de regulação ética e de financiamento político;
- ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA, garantindo a sua independência face a riscos de captura partidária e dotando-a de meios para defender intransigentemente a legalidade e o interesse público na condução dos assuntos do Estado;
- SOCIEDADE, garantindo um acesso simples e eficaz dos cidadãos à informação pública e reforçando os mecanismos participação cívica e de escrutínio à ação dos eleitos, nas várias esferas de Governo; e
- SETOR PRIVADO E REGULADORES, reforçando os mecanismos de compliance e prestação de contas das empresas e organizações e promovendo autoridades reguladoras independentes, exigentes e atuantes.
Isto porque medidas circunscritas a mudanças na lei penal não são o que uma Estratégia Nacional Contra a Corrupção deve ser. Política de “pacote” não é suficiente. Precisamos de reformar as instituições e reinventar a relação dos cidadãos com a democracia.
É cedo para avaliar as medidas já avançadas na comunicação social, mas a iniciativa do Governo mostra que a pressão da sociedade civil dá frutos.
A criação do grupo de trabalho responsável por desenhar estas propostas foi anunciada no mesmo dia em que a Transparência e Integridade apresentou na Assembleia da República a petição que promovemos exigindo uma Estratégia Nacional Contra a Corrupção e que teve o apoio de mais de 8.500 cidadãos. A apresentação do pacote de medidas do Governo, em setembro, deverá coincidir com a discussão da nossa petição no plenário do Parlamento. Vale a pena pressionar os poderes.
Do mesmo modo que contribuímos para empurrar os responsáveis políticos para proporem medidas concretas contra a corrupção, cá estaremos para avaliar o trabalho que for apresentado. Vamos ficar, pois, atentos e insistir que um combate eficaz contra a corrupção não passa só pela Justiça – que deve ser a última, e não a única, linha de defesa.