Nos últimos anos, uma sucessão de conflitos armados e perseguições forçaram a deslocação a milhões de pessoas dos seus locais de residência e países de origem, provocando uma crise humanitária sem precedentes.
Por isso mesmo a violência, nas suas múltiplas manifestações, é foco do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 16 – Promover sociedades pacíficas e inclusivas para o desenvolvimento sustentável, proporcionar o acesso à justiça para todos e construir instituições eficazes, responsáveis e inclusivas a todos os níveis.
É relativamente consensual a ideia de que este objetivo é um dos mais transformadores da Agenda 2030. No entanto, pela sua natureza holística, é igualmente controverso e desafiante.
Na senda do princípio da justiça como equidade de John Rawls – entendida conquanto o justo e o bem são complementares e que uma conceção de justiça deve combinar ambas as ideias do justo e do bem através de um modo de estruturação da sociedade que as estabeleça em igualdade de circunstâncias – o ODS16, não elege apenas a promoção da paz como nuclear, mas também outras formas de violência (e desigualdade) menos reconhecidas, mas com igual impacto na implementação da Agenda 2030, de entre as quais se destacam:
1) os sistemas legais e judiciais que subvertem (ou excluem por completo) o exercício dos direitos e liberdades fundamentais dos cidadãos que constituem uma forma extrema de violência e de injustiça que aniquilam o desenvolvimento;
2) a corrupção, o nepotismo, o suborno, a fraude e evasão fiscal, que desviam milhões de euros todos os anos, dinheiro que poderia ser usado em prol da criação de riqueza promotora do desenvolvimento social e económico;
3) o acesso diferenciado à Justiça e a falta de “sentido de justiça”, que extremam as desigualdades sociais;
4) as instituições públicas ineficazes, despóticas ou muito pouco transparentes, que aniquilam a criação de espaços de liberdade e de participação cívica que convergem para o retrocesso na defesa dos direitos das minorias sociais e étnicas, bem como dificultam a formação da consciência ambiental e a prossecução de atitudes de consumo responsáveis.
Por isso mesmo, o ODS16 é de entre todos os o exemplo mais paradigmático de uma agenda que, embora mantendo o foco na erradicação da pobreza, representa um progresso significativo relativamente aos Objetivos de Desenvolvimento do Milénio. Através da sua implementação, a Agenda 2030 constitui um plano de ação mais universal e mais inclusivo, reforça a interdependência dos seus objetivos, e exige o estabelecimento de um modelo de governança em que governos, setor privado, sociedade civil e cidadãos desempenham o seu papel numa idêntica situação de liderança para o desenvolvimento, cada um trazendo o seu expertise para o desenho e cumprimento dos planos e políticas nacionais de desenvolvimento, participando ativamente na sua monitorização e avaliação.
Ao mesmo tempo, o ODS16 demanda das Organizações da Sociedade Civil (OSC) que se assumam a todo o tempo proativas e continuamente engajadas no esforço coletivo em prol do desenvolvimento, ainda que, enquanto um fim em si mesmo, comporte desafios acrescidos.
Na verdade, exige das OSC que descolem da lógica do espaço de intervenção de desenvolvimento que, não raras vezes, emerge das falhas do Estado, isto é, do poder de influência conquistado em razão de insuficiência política, administrativa ou económica do Estado em suprir necessidades básicas. Em alternativa, deverão progredir para uma lógica programática alicerçada em pilares e estruturas-base para o desenvolvimento, assumindo desse modo uma posição de liderança – inclusive em termos de regulamentação – nas políticas de integridade, laborais, de assistência social, de cuidados de saúde, de cooperação, entre outras que têm como objetivo maior fazer do mundo um lugar mais sustentável, feliz e seguro.
> Karina Carvalho, Diretora Executiva
Artigo publicado na Revista Plataforma ONGD nº 16 – Desigualdades e Desenvolvimento Sustentável
Leia o Relatório de Progresso sobre a implementação do ODS16 em Portugal