Portugal tem falhado nos esforços para melhorar transparência nos Vistos Gold

 

Nos últimos anos, tem aumentado em alguns Estados-membros da União Europeia a emissão de Autorizações de Residência para Atividade de Investimento (ARI), vulgarmente conhecidas por Vistos Gold. Estes documentos aceleram o processo de atribuição de cidadania e/ou residência a cidadãos de países estrangeiros, que não pertencem à União Europeia, em troca de investimentos avultados.

Este tipo de programa caracteriza-se, sobretudo, pela falta de transparência, due diligence e fraca governança, o que acaba por expor todos os Estados-membros da União Europeia a esquemas de corrupção, branqueamento de capitais e fraude fiscal, ao mesmo tempo que compromete a sua segurança.

No entanto, denuncia a Global Witness, a Comissão Europeia e os Estados-membros têm falhado em agir contra os riscos que advêm dos programas de venda de cidadania e residência, apesar do elevado nível de escrutínio de que têm sido alvo ao longo da última década.

“Os Vistos Gold são um ponto fraco na defesa da União Europeia contra o branqueamento de capitais e o financiamento do terrorismo. Apesar de haver um discurso forte sobre a eliminação progressiva destes esquemas de cidadania em troca de investimento, pouco ou nada tem sido feito , permitindo que criminosos e corruptos fujam à justiça noutras partes do mundo e comprem a sua entrada no lucrativo mercado europeu”.

Chipre, Malta e Portugal em destaque pela negativa

A Global Witness analisou os principais esforços envidados em 2019 no sentido de reforçar e regular os Vistos Gold na União Europeia e, mais detalhadamente, no Chipre, Malta e Portugal.

Segundo a organização, estes são os países que apresentam os programas mais vulneráveis à corrupção, branqueamento de capitais e fraude fiscal, mas, apesar disso, pouco ou nada fizeram no sentido de corrigir as deficiências, apesar dos escândalos que envolvem pessoas suspeitas que entraram na União Europeia através desses países.

Convém não esquecer, por exemplo, que foi atribuído em Portugal um Visto Gold a um cidadão chinês procurado pela Interpol, enquanto que, na Áustria, um político foi condenado por facilitar a obtenção de cidadania a um indivíduo russo, que tinha feito uma doação para a sua campanha eleitoral. Já o Montenegro chegou mesmo a suspender o programa de Vistos Gold depois de ter concedido cidadania a um antigo primeiro-ministro tailandês acusado de corrupção. Finalmente, Malta foi obrigada a recuar pela União Europeia depois de ter  proposto a venda de cidadania a quem investisse 650 mil euros no país.

As fragilidades apresentadas nos programas de Vistos Gold destes países colocam não só importantes problemas de segurança e equidade fiscal, ao mesmo tempo que desafiam o Programa de Estocolmo, uma vez que brechas na segurança colocam em causa a solidariedade, justiça e cooperação entre Estados-membros. Trata-se de um roteiro para o trabalho da União Europeia no que à justiça e segurança diz respeito, que aponta para a necessidade de cooperação entre os Estados-membros no controlo do acesso de cidadãos não-comunitários ao espaço europeu, de forma a combater a criminalidade transfronteiriça.

Apesar dos esforços da Comissão Europeia, no início de 2019, para aumentar a perceção das autoridades nacionais para os riscos dos Vistos Gold e os pedidos do Parlamento Europeu para a eliminação progressiva de todos os programas existentes na União Europeia, a verdade é que estes persistem.

Nenhum Estado-Membro encerrou a sua cidadania ou residência de investidores. Portugal, por exemplo, facilitou os critérios de concessão dos Vistos Gold, o que levou ao aumento do número de pedidos aprovados.

“Apesar de ter havido uma queda no número de Vistos Gold emitidos em 2019, comparado com anos anteriores, Portugal continua a ser um dos Estados-membros a ter emitido mais Vistos Golds a investidores e suas famílias, com mais de 22 mil vistos de residência vendidos desde 2012”, pode ler-se no relatório. “A baixa taxa de recusa (à volta de 5%) e a falta de um sistema de verificação robusto faz com que o seu programa de Autorização de Residência para Atividade de Investimento seja um dos mais populares do mundo”.

A Global Witness considera que as medidas propostas e tomadas pelas instituições da União Europeia não são uma resposta adequada ao nível de risco que a própria Comissão identificou nesses países.

As mudanças introduzidas pelas autoridades do Chipre, por exemplo, mais não são do que uma resposta simbólica aos escândalos públicos que atingiram o país, ao mesmo tempo que Malta nada fez para lidar com os riscos de lavagem de dinheiro e corrupção associados ao seu programa nacional.

Também Portugal é alvo das críticas da Global Witness: as reformas propostas foram adiadas para 2021 e concentram-se apenas na dissuasão do investimento no mercado imobiliário local, em vez de reduzir os riscos de lavagem de dinheiro.

“Vários relatórios sugerem que o programa de Vistos Gold tem contribuído para a subida vertiginosa dos preços do mercado imobiliário e de arrendamento para os habitantes das duas principais cidades, Lisboa e Porto. No entanto, apesar de o Governo português ter tomado algumas medidas para aliviar a pressão no mercado imobiliário, não adotou qualquer medida para combater o branqueamento de capitais e a corrupção inerentes ao programa”.

Recorde-se que o Parlamento aprovou, na discussão do Orçamento do Estado, algumas alterações ao programa dos Vistos Gold, conferindo um mandato ao Governo português para limitar os Vistos Gold a investimento apenas no interior do país e regiões autónomas da Madeira e dos Açores, propondo o fim do programa nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto; aumentar o valor mínimo exigido do investimento e o número de postos de trabalho criados; e encorajar o investimento na reabilitação, património cultural, atividades de valor ambiental e social, investimento na produção e criação de empregos.

Recomendações

Desta forma, a Global Witness sugere que a Comissão Europeia proponha à União Europeia a implementação de regras, juridicamente vinculativas, para garantir a eliminação progressiva dos programas de passaporte e Vistos Gold. Estas regras devem fazer parte de uma nova abordagem, mais abrangente, no combate ao branqueamento de capitais e atividades terroristas.

Esta recomendação vai ao encontro de uma reivindicação antiga da Transparência e Integridade junto do Governo português: a suspensão imediata do programa de Vistos Gold em Portugal e a elaboração de um relatório de avaliação custo-benefício deste mecanismo, não apenas na sua vertente económica, mas que analise também os riscos de corrupção, branqueamento de capitais, fraude fiscal e financiamento de terrorismo a ele inerentes.

Os Estados-membros devem igualmente adotar medidas de rigorosa supervisão de todas os vistos concedidos para garantir que nenhum tenha sido concedido a indivíduos associados a esquemas de branqueamento de capitais ou financiamento de terrorismo. Nos casos em que esse risco seja identificado, os Estados-Membros devem garantir que sua cidadania e seus direitos de residência sejam imediata e liminarmente revogados.

A Transparência e Integridade reforça esta exigência com a total transparência na informação prestada pelos governos nacionais. No caso português, exige-se a publicação integral do relatório de auditoria da Inspeção-Geral da Administração Interna ao procedimento de concessão de Vistos Gold do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras.

Consulta o relatório da Global Witness aqui.