Dois anos depois do #LuandaLeaks. Combater a Corrupção em Angola: há um papel para Portugal?

Crédito: ECO

Assinalam-se hoje dois anos desde a eclosão do escândalo Luanda Leaks, uma investigação do Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação que expôs a teia de negócios obscuros de Isabel dos Santos.

Desde então foram iniciados processos judiciais contra Isabel dos Santos e as suas empresas, em Angola e no estrangeiro, incluindo Portugal, sendo que é justamente no nosso país que se encontram os principais ativos (conhecidos) de Isabel dos Santos fora de Angola.

Mais recentemente, os Estados Unidos impuseram sanções à filha do ex-presidente José Eduardo dos Santos e a dois antigos altos funcionários do governo angolano – o General Leopoldino Fragoso do Nascimento (Dino) e o General Manuel Hélder Vieira Dias Júnior (Kopelipa) – devido à apropriação indevida de fundos públicos para benefício pessoal.

Estas medidas são muito positivas e confiamos que os mecanismos de cooperação judicial serão capazes de devolver ao povo angolano o dinheiro roubado. Só não podemos ignorar que, durante anos, Portugal recebeu de braços abertos os capitais trazidos pela elite cleptocrática angolana, sem cuidar de aferir a sua origem, com as consequências que conhecemos para Angola, mas também para o nosso país, que ainda se vê a braços com a venda do EuroBIC e da Efacec.
Susana Coroado
Presidente da TI Portugal

Angola vive uma crise económica e financeira desde a queda dos preços do petróleo em 2015, que lançou o país numa espiral de degradação das condições económicas e sociais, agora amplificada pela pandemia da COVID-19. O aumento exponencial da dívida pública e da inflação, aliado à desvalorização da moeda e a uma performance produtiva muito aquém das potencialidades do país, tornou ainda mais expressivos os impactos da corrupção.

Aquela que foi outrora considerada uma das mais pujantes economias africanas e uma das tábuas de salvação de um Portugal em crise, vê-se por estes dias dependente do financiamento estrangeiro, e tal decorre em larga medida da experiência sistémica da corrupção que ali se vive e da exploração das suas riquezas naturais por interesses privados.

Por isso, sem surpresa, aquando da sua ascensão à Presidência de Angola em setembro de 2017, o atual Presidente João Lourenço afirmou o combate à corrupção como grande prioridade nacional.

Porém, e à semelhança do que sucede em quase todos os lugares do mundo, os passos encetados pelo governo angolano no sentido da adequação da legislação e dos procedimentos anticorrupção em vigor, e da recuperação de ativos perdidos pela apropriação indevida de fundos públicos e de esquemas de lavagem de dinheiro, jamais serão bem-sucedidos sem o apoio da comunidade internacional.

E, concretamente, de Portugal.

Portugal foi responsável pelo branqueamento de fluxos financeiros ilícitos provenientes de Angola

Estes autênticos negócios fantasma foram realizados com a intervenção direta de um exército de peritos, incluindo portugueses, que atuaram como facilitadores do fluxo de capitais ilícitos provenientes de Angola.

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Portugal falhou na supervisão do sistema financeiro

As regras da União Europeia determinam que se identifiquem os países terceiros com debilidades nos sistemas de prevenção branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo, tendo em conta que podem constituir uma ameaça sistema financeiro da espaço comum. As medidas de diligência sobre os clientes estabelecidos em “países terceiros de risco elevado”, como Angola, devem ser reforçadas, o que não sucedeu nem com Isabel dos Santos, nem com o próprio EuroBIC.

E, por isso, temos dito que a atuação do Banco de Portugal relativamente ao EuroBIC de Isabel dos Santos deve ser questionada.

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Portugal ignorou as recomendações internacionais em matéria de prevenção da Corrupção e do Branqueamento de Capitais

A transposição das Diretivas Europeias dirigidas à prevenção e combate ao branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo para a legislação nacional determinou a adoção de medidas reforçadas de identificação e diligência ante Pessoas Politicamente Expostas (PPE). Estas pessoas são chefes de Estado, chefes de governo, ministros, membros dos órgãos de direção de partidos políticos, juízes de tribunais supremos, deputados ou outros titulares de cargos públicos que, pela circunstância de terem exercido funções públicas importantes, podem apresentar um risco mais elevado de corrupção e também os seus familiares mais próximos ou outras pessoas que, não sendo familiares, detêm relações de grande proximidade com titulares de cargos públicos.

Porém, Isabel dos Santos e o seu marido foram recebidos entre nós como empresários de sucesso e investidores desejados, não recaindo sobre si e os seus negócios os especiais deveres de avaliação que cumpre observarem-se para PPE, ainda que estivéssemos perante a filha do Presidente de uma nação classificada como uma das mais corruptas do mundo pelos principais indicadores internacionais, como o Corruption Perception Index da Transparency International.

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É certo que, através de acordos bilaterais e multilaterais e de mecanismos de cooperação judicial, Portugal colabora no esforço de prevenção e combate à corrupção e de recuperação de ativos, mas ainda há muito por fazer, por exemplo no quadro da CPLP.

Não podemos continuar insensíveis, em Portugal, ao papel desempenhado por advogados, auditores, consultores, reguladores, decisores políticos e inclusive empresários portugueses na reprodução da miséria extrema em Angola e noutras geografias da CPLP por força da corrupção e de esquemas de lavagem de dinheiro. Porque as vítimas da corrupção, afetadas pela expropriação do património que devia ser usado em prol do bem comum, são privadas do exercício pleno dos seus direitos cívicos e políticos. Ou seja, da liberdade.
Karina Carvalho
Diretora Executiva da TI Portugal

A TI Portugal estreitou sinergias com o Global Anti-Corruption Consortium (GACC) e juntou-se à campanha internacional da sociedade civil pela recuperação de ativos, que já deu frutos em França.

A condenação de Teodorin Obiang, filho do Presidente da Guiné-Equatorial, a uma pena de prisão suspensa de três anos, uma multa de 30 milhões de euros e a confiscações de bens estimados em 150 milhões de euros, bem como a aprovação da lei francesa que determina a compensação das vítimas de corrupção através do financiamento de iniciativas de cooperação para o desenvolvimento, são marcos significativos no ativismo anti-corrupção.

Pela recuperação de ativos, em defesa dos Direitos Humanos e do Desenvolvimento Sustentável.

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