Historial do processo de seleção para a Procuradoria Europeia
A nomeação do procurador português na nova Procuradoria Europeia foi manchada por várias polémicas e problemas de falta de transparência. Este é o historial do novo organismo europeu e do processo de nomeação do procurador português.
12/10/2017: É aprovado o Regulamento UE 2017/1939, que estabelece a Procuradoria Europeia, através de um mecanismo de cooperação reforçada (de adesão facultativa) entre 22 dos 27 Estados-membros da União Europeia.
A Procuradoria Europeia (European Public Prosecutor’s Office – EPPO, em inglês) tem como missão investigar e levar à Justiça crimes contra os interesses financeiros da União Europeia, incluindo crimes de corrupção ou fraude envolvendo fundos europeus ou fraudes com IVA.
Além de um Procurador-Geral Europeu, que lidera o novo organismo, cada país participante é representado por um Procurador Europeu, cujo método de nomeação está previsto na lei europeia. Em síntese:
- Cada Estado-Membro deve indicar três candidatos (o Regulamento europeu não especifica como se chega a esses três candidatos, deixando cada Estado-Membro definir os seus próprios processos);
- Os candidatos de cada país são avaliados por um júri independente, que faz uma seriação dos três e uma recomendação ao Conselho da União Europeia;
- A recomendação não é vinculativa, a não ser nos casos em que o júri determine que determinado candidato não tem condições suficientes para o exercício da função. Esses ficam inevitavelmente excluídos.
- A decisão final é do Conselho da União Europeia, organismo que reúne representantes dos Governos de cada Estado-membro. A escolha do procurador não cabe a cada país ou Governo, mas ao Conselho da União Europeia no seu todo. O Regulamento limita propositadamente a intervenção dos Estados-Membros à fase inicial do processo, para garantir a independência da Procuradoria Europeia, prevista na lei europeia:
Artigo 6.º – Independência e responsabilidade
- A Procuradoria Europeia é independente. O Procurador-Geral Europeu, os Procuradores-Gerais Europeus Adjuntos, os Procuradores Europeus, os Procuradores Europeus Delegados, o Diretor Administrativo e os membros do pessoal da Procuradoria Europeia atuam no interesse da União no seu conjunto, tal como definido pela lei, não devendo, no desempenho das funções que lhes são cometidas por força do presente regulamento, nem pedir nem receber instruções de qualquer pessoa estranha à Procuradoria Europeia, qualquer Estado-Membro da União Europeia ou qualquer instituição, órgão ou organismo da União. Os Estados-Membros da União Europeia e as instituições, órgãos e organismos da União respeitam a independência da Procuradoria Europeia e não tentam influenciá-la no exercício das suas funções.
02/01/2019: É publicado, pela ministra da Justiça, o aviso do concurso para o cargo de Procurador Europeu, remetendo para o Conselho Superior do Ministério Público e para o Conselho Superior da Magistratura a seleção de até três candidatos cada.
- Prazo de candidatura: 15 de janeiro
- Prazo para a para a seleção dos Conselhos: 15 de fevereiro
O Aviso estabelece, na Parte VI – Critérios de seleção, como requisito de candidatura “Experiência mínima de 20 anos como magistrado do Ministério Público ou magistrado judicial” mas em momento algum estabelece qualquer critério de antiguidade como critério preferencial ou de seriação dos candidatos.
01/02/2019: Publicada lista de classificação final do Conselho Superior da Magistratura, com um único candidato, o juiz desembargador Dr. José António Rodrigues da Cunha.
28/02/2019: Aprovação pelo plenário do Conselho Superior do Ministério Público da lista de classificação final do concurso:
- José Eduardo Moreira Alves de Oliveira Guerra: 95 pontos;
- João Conde Correia dos Santos: 92 pontos;
- Ana Carla Mendes de Almeida: 81 pontos.
O Boletim informativo do CSMP (pág. 3-4) delibera: “aprovar a proposta do júri do procedimento de seleção de candidatos a designar pelo Estado Português para nomeação, pelo Conselho da União Europeia, do Procurador Europeu Nacional, com a menção dos três nomes selecionados por serem os mais graduados, retificada quanto ao critério referenciado no Ponto VI.1 – a) do Aviso n.º 5/2019, no sentido de “experiência” como magistrado equivaler a “antiguidade na magistratura” (com a consequente notação corrigida)”.
Apesar de tal não constar do Aviso do Concurso ou do Regulamento Europeu, o Conselho Superior do Ministério Público criou um critério de antiguidade como critério preferencial de seleção, que coloca o procurador José Guerra em primeiro lugar. Esse critério de antiguidade foi inserido no concurso já depois de entregues as candidaturas – e portanto, sabendo-se que impacto teriam nos resultados finais, o que levantou dúvidas sobre a imparcialidade do processo.
Votaram contra a decisão:
- Dr. Magalhães e Silva,
- Dr. Luís Martins e
- Dr. David Aguilar
Abstiveram-se:
- Dr. Amadeu Guerra;
- Dr. Barradas Leitão
O jornal Público de 5 de janeiro de 2021 indica que o procurador Amadeu Guerra terá feito uma declaração de voto que, de facto, não consta do Boletim, como é habitual – inclusive noutros pontos do próprio Boletim. Do Boletim não consta, neste ponto, qualquer declaração de voto.
20/03/2019: Dá entrada na Assembleia da República a proposta de Lei do Governo para adotar o Regulamento UE 2017/1939, quase três meses depois da abertura do concurso e estando já completas as escolhas dos CSM e CSMP.
22/03/2019: Audições parlamentares aos três candidatos apontados pelo Conselho Superior do Ministério Público e ao candidato apontado pelo Conselho Superior do Ministério Público.
28/03/2019: Relatório final da Assembleia da República à ministra da Justiça, considerando aptos os quatro candidatos ao cargo de procurador português na Procuradoria Europeia.
Data indeterminada: Envio pelo Governo do nome dos três procuradores escolhidos pelo Conselho Superior do Ministério Público para a segunda fase do processo de recrutamento no Conselho da UE, envolvendo um júri europeu. O candidato apontado pelo Conselho Superior da Magistratura não é selecionado para a segunda fase.
12/09/2019: Publicada a Lei 112/2019, que adota o Regulamento UE 2017/1939 e envolve o Conselho Superior da Magistratura e o Conselho Superior do Ministério Público na escolha dos candidatos nacionais a submeter ao processo de recrutamento da Provedoria Europeia;
19/11/2019: Recomendação do júri europeu aponta a Ana Carla Almeida em primeiro lugar de entre os três candidatos portugueses. É relevada a sua experiência na investigação e acusação de grandes crimes financeiros e em questões de cooperação judicial internacional.
29/11/2019: Governo português envia carta, revelada pela comunicação social no final de dezembro de 2020, defendendo a escolha de José Guerra em detrimento de Ana Carla Almeida. A carta contém informações falsas sobre o percurso do procurador José Guerra e a sua experiência na investigação de crimes financeiros e de fraudes com fundos da União Europeia.
27/07/2020: Conselho da União Europeia escolhe os procuradores europeus de todos os países participantes, incluindo o português José Guerra. O procurador nacional terá um mandato de três anos, não renovável.
28/09/2020: Tomada de posse dos procuradores europeus no Tribunal de Justiça da União Europeia, no Luxemburgo.
14/10/2021: Audição da Ministra da Justiça, Francisca van Dunem, sobre a nomeação do procurador europeu nacional da Procuradoria Europeia, a pedido do grupo parlamentar do PSD.
14/10/2021: Governo publica alguma informação sobre o processo de nomeação do procurador europeu.
04/01/2021: O diretor-geral da Política de Justiça, Miguel Romão, demite-se do cargo, assumindo a responsabilidade pelos erros na carta enviada ao Conselho da União Europeia, mas indica que a carta foi escrita segundo instruções da ministra da Justiça, Francisca van Dunem, e que o seu gabinete teve conhecimento da missiva.
05/01/2021: Noticiada iniciativa do juiz José Rodrigues da Cunha para impugnar o concurso, alegando, entre outras coisas, que o CSMP não cumpriu os prazos do Aviso do Concurso.
05/01/2021: Transparência e Integridade faz um pedido de acesso à informação, ao abrigo da Lei de Acesso aos Documentos Administrativos, onde pede a documentação completa sobre a escolha do procurador europeu.
06/01/2021: Ministra da Justiça recusa aceder ao pedido de acesso à informação, por considerar que “os documentos cuja entrega é pedida não são qualificáveis como documentos administrativos, (…) uma vez que a sua elaboração não eleva da atividade administrativa, mas da atividade política”.
07/01/2021: Audição da Ministra da Justiça sobre a nota enviada pelo Governo ao Conselho Europeu para sustentar a indicação de José Guerra para o cargo de procurador europeu, a requerimentos dos grupos parlamentares do PSD, do Bloco de Esquerda e do CDS.
10/01/2021: RTP revela documento do Conselho da União Europeia, datado de 7 de outubro de 2020, que confirma que a decisão de afastar Ana Carla Almeida em favor de José Guerra foi tomada com base na carta com “factos falsos” sobre o currículo do procurador enviada pelo Governo.
11/01/2021: Transparência e Integridade insiste em conhecer cartas enviadas pelo Ministério da Justiça ao Conselho da União Europeia.
12/01/2020: Transparência e Integridade envia novo pedido de informação no caso da Procuradoria Europeia, apontando a falta de fundamentação da recusa de acesso e desmontando os argumentos jurídicos com que o Ministério da Justiça negou a publicação dos documentos.