Nacionalidade e cidadania: um negócio (muito lucrativo) para alguns
Por estes dias tem-se falado bastante de nacionalidade e de imigração e pelas piores razões. Todavia, como em outras circunstâncias, estão ausentes do debate as políticas públicas que vendem a autorização de residência e a cidadania portuguesas a troco de dinheiro.
A posição privilegiada do nosso país enquanto Estado-membro da União Europeia e um pacote vantajoso de incentivos fiscais à fixação de empresas estrangeiras e de profissionais e pensionistas doutros países com elevado poder de compra, constituiriam, por si só, um bom cartão de visita para captação de investimento estrangeiro. Mas não nos ficámos por aqui na prospeção de novas oportunidades e o Estado Português juntou-se à lista de países que mercantilizam vistos dourados e passaportes milionários.
O Passport Index – publicado pela Arton Capital, consultora financeira especializada em programas de investimento através de residência e cidadania – classifica Portugal no 5.º lugar entre os passaportes mais valiosos do mundo, já que permite viajar sem necessidade total ou parcial de visto para 155 territórios.
Para o cidadão comum esta informação é irrelevante, mas, para os super-ricos, a compra de passaportes tornou-se um padrão, ainda mais amplificado pela pandemia.
Em 2019, o Parlamento Europeu exortou os Estados-membros a revogarem os regimes de Vistos Gold. Como vimos alertando sucessivamente, os potenciais benefícios económicos de programas como o português Autorizações de Residência para Atividade de Investimento (ARI) não compensam os enormes riscos de segurança, branqueamento de capitais e evasão fiscal que comportam.
Desde então, países como o Chipre e a Bulgária cancelaram os seus programas, mas Portugal mantém ativa a concessão de Vistos Gold, não obstante a falta de transparência, diligência devida e fraca governança que o esquema comporta.
Em entrevista à TSF, Susana Coroado, presidente da TI Portugal, assinalava que “é possível inserir na Europa, através dos vistos gold, traficantes de droga, terroristas, etc.. É fundamental que se tenha noção de quem são estas pessoas e os seus familiares, porque muitas vezes é possível que não seja o criminoso em si a candidatar-se, mas depois lhe seja atribuído um visto porque é cônjuge ou é filho ou é pai de alguém com a ficha limpa a quem foi dado o visto. Corremos o risco de tornar Portugal uma lavandaria e, sobretudo, a porta de entrada para criminosos e corruptos na Europa”.
À falta de resposta cabal dos Estados-membros, o Parlamento Europeu anunciou, em novembro do ano passado, que se encontrava em discussão um novo relatório sobre os Vistos Gold, propondo o aumento dos controlos, nomeadamente através da intervenção da Interpol na fiscalização dos candidatos, a obrigatoriedade de realização de entrevistas presenciais e de comprovativos sobre a origem dos fundos utilizados para comprar autorizações de residência e acesso à cidadania.
Estas medidas são indispensáveis relativamente a Portugal. Não havendo vontade política para suspender os Vistos Gold e reforçar os mecanismos de prevenção e sabendo que Portugal continua a não aplicar a legislação comunitária de combate ao branqueamento de capitais, só nos resta esperar que a Europa as imponha.