Não há justiça fiscal escondendo os beneficiários efetivos
Estão reunidos esta semana em plenário os membros do Grupo de Ação Financeira (FATF/GAFI), organismo intergovernamental criado para desenvolver e promover políticas, nacionais e internacionais de combate ao branqueamento de capitais e ao financiamento do terrorismo. Na reunião que se realiza em Paris, presidida pelo alemão Dr. Marcus Pleyer, estão a ser discutidas, entre outras, alterações à Recomendação 24, relativa à transparência dos beneficiários efetivos.
O FAFT/GAFI já reconheceu que é preciso reforçar o standard internacional, estabelecendo que devem ser conhecidas todas as pessoas que controlam uma empresa, fundo ou entidade jurídica de outra natureza, para que as autoridades competentes possam aceder a essa informação de forma ágil a fim de identificarem riscos de branqueamento de capitais e agirem contra a corrupção e a fraude. Mas tarda em assumir a indispensabilidade dos registos públicos de beneficiários efetivos.
E será impossível reforçar os mecanismos de prevenção sem que se impeça a ocultação de fortunas em paraísos fiscais e a identidade das pessoas que delas beneficiam. Para avançarmos, é indispensável que os registos públicos de beneficiários efetivos se instituam como padrão.
Numa iniciativa liderada pela Transparency International (TI), participámos no processo de consulta, apresentando um conjunto de propostas destinadas a promover maior transparência sobre os beneficiários efetivos, e acompanhamos os nossos colegas da rede TI, outras organizações da sociedade civil e jornalistas, na demanda de que se institua a obrigatoriedade de registos públicos de beneficiários efetivos, pois só assim será possível garantir eficácia na luta contra a corrupção, a fraude e a evasão fiscal.
As recomendações do FATF/GAFI constituem o standard internacional em matéria de branqueamento de capitais e vêm garantindo a efetividade da aplicação de medidas legais, normativas e processuais, quer através da identificação de novos riscos e medidas corretivas, quer por via de mecanismos de avaliação mútua relativamente ao estado da arte em cada um dos membros.
Em 2017, Portugal foi sujeito a duas avaliações ao seu sistema anti-branqueamento de capitais e de financiamento do terrorismo (ABC/CFT).
A primeira foi levada a cabo pela TI Portugal, que apresentou as conclusões da sua investigação sobre a robustez do sistema ABC/CFT, alertando para vários aspetos insatisfatórios, como as falhas na compreensão do conceito de beneficiário efetivo por parte de entidades e profissões não financeiras e respetivos supervisores.
Já no final desse ano, o FAFT/GAFI, de que Portugal é membro desde 1990, publicou a sua avaliação do enquadramento legal e da prática no nosso país, alertando para a necessidade de melhorias na implementação de medidas destinadas a entidades e profissões não financeiras, bem como prestar mais atenção a sectores de alto risco, como o do imobiliário.
Entretanto, entraram em vigor as leis resultantes da transposição da 4.ª e da 5.ª Diretivas Europeias Anti-Branqueamento de Capitais, tidas como revolucionárias nesta matéria, vinculando os Estados-Membros à criação de Registos de Beneficiários Efetivos de acesso público.
Forçado pelas suas obrigações comunitárias, Portugal criou o chamado Registo Central do Beneficiário Efetivo (RCBE), gerido pelo Instituto de Registos e Notariado (IRN), com dois objetivos fundamentais:
- facilitar o cumprimento das obrigações das entidades e profissões financeiras e não financeiras, que por lei têm de averiguar a identidade dos beneficiários das operações que conduzem e alertando as autoridades quando se levantam dúvidas sobre a natureza das transações; e
- garantir um novo nível de controlo através da comunicação social e sociedade civil, através do acesso público à identidade dos beneficiários efetivos, ou seja, das pessoas que detém o controlo das empresas, fundos ou outras entidades jurídicas equiparadas.
Porém, e tal como demonstrado num estudo recente da Transparency International, o nosso país não cumpre as diretrizes europeias, juntando-se ao grupo de Estados-Membros da União Europeia que, de uma maneira ou de outra, limita o acesso a essa informação.
Não há transparência sobre os beneficiários efetivos em Portugal
Ainda estamos muito longe de um cumprimento satisfatório das obrigações de identificação de beneficiários efetivos.
Os operadores de mercado e respetivas entidades supervisoras em setores de risco, como advogados, imobiliário e venda de bens de luxo, continuam a apresentar resistência em cumprir a lei, nomeadamente a comunicação às autoridades em caso de suspeita e não persecução do negócio.
Por exemplo, só depois do escândalo do Luanda Leaks é que a Ordem dos Advogados adotou um regulamento interno sobre esta matéria. Mas é ainda prematuro fazer considerações sobre os seus efeitos práticos.
É preciso facilitar o acesso público aos registos e explicitar, junto das empresas e do público em geral, a sua utilidade e a sua relevância. Caso contrário, é um instrumento que se torna inútil para o sistema português de ABC/CFT.
Antes de terminar, sugerimos a leitura deste artigo da Transparency International: Out in the open: How public beneficial ownership registers advance anti-corruption.
Negócios Fantasma
Impedir que empresas e indivíduos continuem a colocar os frutos de negócios criminosos ou de fuga aos impostos é essencial para assegurar que temos recursos públicos capazes de suprir as necessidades de todos.