Não há justiça fiscal escondendo os beneficiários efetivos

Estão reunidos esta semana em plenário os membros do Grupo de Ação Financeira (FATF/GAFI), organismo intergovernamental criado para desenvolver e promover políticas, nacionais e internacionais de combate ao branqueamento de capitais e ao financiamento do terrorismo. Na reunião que se realiza em Paris, presidida pelo alemão Dr. Marcus Pleyer, estão a ser discutidas, entre outras, alterações à Recomendação 24, relativa à transparência dos beneficiários efetivos.

O FAFT/GAFI já reconheceu que é preciso reforçar o standard internacional, estabelecendo que devem ser conhecidas todas as pessoas que controlam uma empresa, fundo ou entidade jurídica de outra natureza, para que as autoridades competentes possam aceder a essa informação de forma ágil a fim de identificarem riscos de branqueamento de capitais e agirem contra a corrupção e a fraude. Mas tarda em assumir a indispensabilidade dos registos públicos de beneficiários efetivos.

O sistema internacional de combate ao branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo continua a apresentar muitas falhas, como tem sido evidente na sucessão dos escândalos, desde os #PanamaPapers aos #PandoraPapers, passando pelo “nosso” #LuandaLeaks.

E será impossível reforçar os mecanismos de prevenção sem que se impeça a ocultação de fortunas em paraísos fiscais e a identidade das pessoas que delas beneficiam. Para avançarmos, é indispensável que os registos públicos de beneficiários efetivos se instituam como padrão.
Susana Coroado
Presidente da TI Portugal

Numa iniciativa liderada pela Transparency International (TI), participámos no processo de consulta, apresentando um conjunto de propostas destinadas a promover maior transparência sobre os beneficiários efetivos, e acompanhamos os nossos colegas da rede TI, outras organizações da sociedade civil e jornalistas, na demanda de que se institua a obrigatoriedade de registos públicos de beneficiários efetivos, pois só assim será possível garantir eficácia na luta contra a corrupção, a fraude e a evasão fiscal.

As recomendações do FATF/GAFI constituem o standard internacional em matéria de branqueamento de capitais e vêm garantindo a efetividade da aplicação de medidas legais, normativas e processuais, quer através da identificação de novos riscos e medidas corretivas, quer por via de mecanismos de avaliação mútua relativamente ao estado da arte em cada um dos membros.

Em 2017, Portugal foi sujeito a duas avaliações ao seu sistema anti-branqueamento de capitais e de financiamento do terrorismo (ABC/CFT).

A primeira foi levada a cabo pela TI Portugal, que apresentou as conclusões da sua investigação sobre a robustez do sistema ABC/CFT, alertando para vários aspetos insatisfatórios, como as falhas na compreensão do conceito de beneficiário efetivo por parte de entidades e profissões não financeiras e respetivos supervisores.

Já no final desse ano, o FAFT/GAFI, de que Portugal é membro desde 1990, publicou a sua avaliação do enquadramento legal e da prática no nosso país, alertando para a necessidade de melhorias na implementação de medidas destinadas a entidades e profissões não financeiras, bem como prestar mais atenção a sectores de alto risco, como o do imobiliário.

Entretanto, entraram em vigor as leis resultantes da transposição da 4.ª e da 5.ª Diretivas Europeias Anti-Branqueamento de Capitais, tidas como revolucionárias nesta matéria, vinculando os Estados-Membros à criação de Registos de Beneficiários Efetivos de acesso público.

Forçado pelas suas obrigações comunitárias, Portugal criou o chamado Registo Central do Beneficiário Efetivo (RCBE), gerido pelo Instituto de Registos e Notariado (IRN), com dois objetivos fundamentais:

  1. facilitar o cumprimento das obrigações das entidades e profissões financeiras e não financeiras, que por lei têm de averiguar a identidade dos beneficiários das operações que conduzem e alertando as autoridades quando se levantam dúvidas sobre a natureza das transações; e
  2. garantir um novo nível de controlo através da comunicação social e sociedade civil, através do acesso público à identidade dos beneficiários efetivos, ou seja, das pessoas que detém o controlo das empresas, fundos ou outras entidades jurídicas equiparadas.

Porém, e tal como demonstrado num estudo recente da Transparency International, o nosso país não cumpre as diretrizes europeias, juntando-se ao grupo de Estados-Membros da União Europeia que, de uma maneira ou de outra, limita o acesso a essa informação.

Não há transparência sobre os beneficiários efetivos em Portugal

Ainda estamos muito longe de um cumprimento satisfatório das obrigações de identificação de beneficiários efetivos.

Os operadores de mercado e respetivas entidades supervisoras em setores de risco, como advogados, imobiliário e venda de bens de luxo, continuam a apresentar resistência em cumprir a lei, nomeadamente a comunicação às autoridades em caso de suspeita e não persecução do negócio.

Por exemplo, só depois do escândalo do Luanda Leaks é que a Ordem dos Advogados adotou um regulamento interno sobre esta matéria. Mas é ainda prematuro fazer considerações sobre os seus efeitos práticos.

Em Portugal apenas se concede acesso ao registo a cidadãos identificados através do cartão do cidadão ou de chave móvel digital, ou detentores de certificado digital que comprove que o utilizador é um advogado, solicitador ou notário. Além disso, obriga a que se declare previamente um interesse legítimo ou a finalidade da consulta de informação sobre os beneficiários efetivos de uma dada entidade.
 
Esta limitação torna impossível para qualquer cidadão de outro país não residente em Portugal a pesquisa na base de dados portuguesa, o que faz com que o registo centralizado nacional não cumpra os requisitos da 5.ª Diretiva Anti-branqueamento de Capitais e, por efeito, ignore a sua missão preventiva e repressiva deste tipo de crimes.
O envolvimento dos cidadãos e organizações da sociedade civil, incluindo dos media, na fiscalização dos beneficiários efetivos é fundamental para detetar declarações falsas ou incompletas e colmatar falhas de verificação que possam ocorrer, apoiando assim o esforço conjunto de combate ao branqueamento de capitais e luta contra o terrorismo.

É preciso facilitar o acesso público aos registos e explicitar, junto das empresas e do público em geral, a sua utilidade e a sua relevância. Caso contrário, é um instrumento que se torna inútil para o sistema português de ABC/CFT.
Karina Carvalho
Diretora Executiva da TI Portugal

Antes de terminar, sugerimos a leitura deste artigo da Transparency International: Out in the open: How public beneficial ownership registers advance anti-corruption.