Portugal, a lavadeira de luxo da cleptocracia angolana
A Transparência Internacional Portugal considera muito graves os indícios de prática continuada de branqueamento de capitais envolvendo o Banco Comercial Português (BCP), exigindo total transparência sobre os resultados das auditorias realizadas pelo Banco de Portugal e o reforço dos poderes das autoridades de supervisão bancária na União Europeia.
Três organizações da sociedade civil angolanas – a Associação Mãos Livres, o Fórum Regional de Desenvolvimento Universitário (FORDU) e a OMUNGA – deram hoje a conhecer em Luanda que iniciaram um processo junto do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) pedindo a investigação de transações suspeitas realizadas pelo BCP no quadro de um esquema de corrupção e branqueamento de capitais envolvendo executivos da petrolífera angolana Sonangol, incluindo o ex-vice presidente de Angola, Manuel Vicente, e a SBM Offshore NV, empresa multinacional de serviços petrolíferos e de construção.
As investigações sobre os negócios da SBN em Angola já originaram condenações por suborno nos Estados Unidos e na Suíça e as três ONG consideram que há provas suficientes da existência de crimes de corrupção e branqueamento de capitais lesivos do interesse público, tanto em Angola como em Portugal.
“A queixa agora apresentada contra o BCP, associada a tudo o que já sabemos sobre o EuroBIC de Isabel dos Santos, denuncia um padrão que não pode ser ignorado: o sistema bancário português foi ou ainda é usado para branquear capitais ilícitos provenientes de Angola”, considera Karina Carvalho, Diretora Executiva da TI Portugal. “O Banco de Portugal não parece ser capaz de travar a lavandaria de luxo instalada no nosso país, nem fazer cumprir eficazmente a legislação nacional e comunitária, pelo que só nos resta apelar a que sejam tornadas públicas todas as auditorias realizadas às instituições bancárias e os seus resultados para que se perceba exatamente a extensão do problema, bem como a atuação do Banco de Portugal na prevenção destes crimes”, acrescenta.
Este caso envolvendo o BCP remete-nos igualmente para a situação do EuroBic. Em março de 2020, na sequência da eclosão do escândalo Luanda Leaks, o ex-Governador do Banco de Portugal, Carlos Costa, foi chamado pela Comissão de Orçamento e Finanças, a pedido do Bloco de Esquerda, para explicar as falhas no sistema de prevenção do branqueamento de capitais do EuroBic. Nessa audição esclareceu que já tinha solicitado informações sobre os deveres desse banco em matéria de prevenção do branqueamento de capitais e do financiamento do terrorismo (BC/FT), e que o Banco de Portugal já havia inclusivamente encetado diversas ações de fiscalização ao EuroBIC, a última das quais a concluir-se ainda durante o primeiro trimestre de 2020.
Dizia então o ex-governador que as transferências suspeitas não têm de ser comunicadas ao Banco de Portugal mas à Unidade de Informação Financeira (UIF) da Polícia Judiciária e que “são as próprias instituições obrigadas quem melhores condições têm para procurar evitar a sua instrumentalização para efeitos da realização de operações que possam estar ligadas a quadros de BCFT”, cabendo ao Banco de Portugal apenas verificar se os bancos operando em Portugal “estão dotadas dos meios – materiais e humanos – e dos sistemas que lhes permitem cumprir (e se efetivamente cumprem) esses deveres, o que o Banco de Portugal efetivamente faz, de acordo com uma abordagem baseada no risco”.
Mas omitiu na altura Carlos Costa os resultados das diversas inspeções feitas desde 2015 ao EuroBIC e as medidas tomadas pelo Banco de Portugal para evitar que a sua acionista maioritária – uma Pessoa Politicamente Exposta (PPE), e, portanto, apresentado elevado risco no quadro BC/FT – continuasse a usar o seu banco em Portugal para canalizar e branquear os proveitos retirados ilicitamente de Angola. De relembrar que as auditorias e coimas anteriores ao BCP também foram envoltas em secretismo e anonimidade, com o desfecho que hoje ficámos a saber.
A TI Portugal escreveu ao Banco de Portugal solicitando a divulgação dos resultados das avaliações realizadas ao EuroBIC, já depois de se saber que esse banco constava das FinCEN Files, uma investigação baseada em relatórios de atividade suspeita (SAR) enviados à Financial Crimes Enforcement Network (FinCEN) do Departamento do Tesouro dos Estados Unidos, provando que os bancos continuam a movimentar fundos sinalizados como suspeitos ou potencialmente fraudulentos apesar de reportarem às autoridades de supervisão o reforço dos seus controlos internos de prevenção BC/FT.
O Banco de Portugal, agora liderado por Mário Centeno, ex-Ministro das Finanças e ex-presidente do Eurogrupo, nunca deu resposta à interpelação da TI Portugal.
A nível europeu, continua também aparentemente sem resposta o pedido dos eurodeputados à Autoridade Bancária Europeia (EBA) para que investigue o caso de Isabel dos Santos e o EuroBIC, bem como a recomendação junto do Banco Central Europeu (BCE) para que este possa retirar as licenças aos bancos que violem as obrigações em matéria de luta contra o branqueamento de capitais, independentemente da avaliação das autoridades nacionais responsáveis.
“Continuamos sem saber os resultados das investigações do Banco de Portugal e o modo como as falhas graves já reconhecidas até pelo Parlamento Europeu estão a ser solucionadas. E por isso a Europa, e em concreto a EBA, a quem compete investigar a aplicação incorreta ou insuficiente da legislação da União Europeia pelas autoridades nacionais, deveriam estar especialmente atentas ao que se passa em Portugal, onde temos uma entidade de supervisão que parece ter grandes dificuldades em impor aos bancos a adoção de medidas reforçadas de identificação e diligência, sobretudo tratando-se de relações de negócio e operações implicando países terceiros de elevado risco, como Angola”, considera Susana Coroado, presidente da TI Portugal.
Conhecer as ações de supervisão do Banco de Portugal e saber se o dever de comunicação à UIF foi ou não cumprido pelas instituições bancárias é fundamental para avaliar o funcionamento do sistema de prevenção do BC/FT que o Banco de Portugal supervisiona e garantir que os bancos que operam em Portugal são impedidos de facilitar os fluxos financeiros ilícitos, tal como ilustrado na investigação do Organized Crime and Corruption Reporting Project sobre o modo como a elite angolana criou uma rede privada de bancos para transferir dinheiro para Portugal e para a União Europeia.
Um dos bancos listados na investigação do OCCRP é precisamente o BCP, condenado pelo Banco de Portugal em 2019 ao pagamento de uma coima de 50 mil euros por apresentar falhas nos procedimentos internos para impedir o branqueamento de capitais entre 2008 a 2018, justamente os anos em que a Sonangol se apresentava como um dos principais parceiros de negócio do banco português. A empresa estatal angolana é ainda acionista de referência do BCP, com a segunda maior participação (19,49%), logo atrás dos chineses da Fosun (29,93%).
A administração do BCP afirma como prioritário o combate ao branqueamento de capitais e que a sua relação com a Sonangol nunca colocou em causa os seus mecanismos internos de compliance.
“As ONG angolanas tomaram para si a responsabilidade de agir pela recuperação de ativos, apoiando os esforços já em curso em Angola no sentido da devolução do dinheiro roubado ao povo, que dele tanto precisa para superar as condições miseráveis em que vive. Nós apoiamos o seu espírito de missão e disponibilizamo-nos para colaborar em tudo o que estiver ao nosso alcance para garantir que aqueles que em Portugal facilitam os negócios de uma elite corrupta e os seus esquemas de lavagem de dinheiro não ficam impunes”, termina Karina Carvalho.
Assiste aqui à conferência de imprensa conjunta da Associação Mãos Livres, Fórum Regional de Desenvolvimento Universitário (FORDU) e OMUNGA: