A Estratégia Nacional de Combate à Corrupção morreu
Ficámos a saber esta semana que o Governo vai deixar os gabinetes dos principais órgãos políticos e de todos os órgãos de soberania, assim como o Banco de Portugal de fora da Estratégia Nacional de Combate à Corrupção.
De acordo com a proposta de decreto-lei que o Público consultou, “os gabinetes ficam desobrigados de apresentar planos de prevenção de riscos de corrupção, que passam a ser obrigatórios para todos os organismos públicos e também para as médias e grandes empresas, sob pena de serem aplicadas multas”.
É algo que não nos surpreende, porque temos alertado para isso.
Em outubro do ano passado, deixámos um alerta: a proposta de Estratégia Nacional de Combate à Corrupção apresentada pelo governo era um documento vago, cauteloso, muito legalista e pouco ambicioso, claramente insuficiente, uma vez que deixava de fora áreas críticas da corrupção como as funções políticas, financiamento político, branqueamento de capitais, enriquecimento ilícito, regime de incompatibilidades ou contratação pública.
Finda a consulta pública a que a proposta do Governo esteve sujeita, em novembro do ano passado, o pecado capital da Estratégia Nacional de Combate à Corrupção mantinha-se.
Já em abril deste ano voltámos a alertar: a Estratégia, como estava, ficava a meio caminho porque continuava a ignorar quase por completo a questão da corrupção política, algo para que o GRECO já tinha alertado no último relatório, preferindo focar-se, sobretudo, na pequena corrupção dentro da Administração Pública.
Se a Administração Pública e as empresas vão ter as obrigações, era muito interessante que estas medidas de plano de prevenção de riscos de corrupção, códigos de conduta e canais de denúncia fossem aplicadas também dentro dos partidos políticos.
Falta a vontade política, sobra um pacote de propostas legislativas avulsas, sem qualquer calendarização, objetivos a atingir ou compromisso de meios para atingir essas metas.
Pedimos, na altura, que o Parlamento assumisse as suas responsabilidades e fizesse aprovar as medidas de prevenção que o Governo tem repetidamente ignorado. Voltamos a sublinhar essa urgência.
Podemos assim com pesar dizer que a Estratégia Nacional de Combate à Corrupção morreu.
Convém não esquecer: esta Estratégia Nacional de Combate à Corrupção não existe por vontade do Governo. Existe porque a Transparência e Integridade se tem batido por ela ao longo dos últimos anos, sempre no sentido de a melhorar. Foi a pressão pública por nós exercida, com uma petição que reuniu mais de 8.500 assinatura, que fez nascer esta estratégia.
A nossa campanha Juntos Contra a Corrupção surgiu porque a corrupção sistémica não se combate com medidas avulsas e descoordenadas. Precisa de ser adotada na sequência de um debate amplo, participado e informado, com prazos de implementação definidos e de impacto mensurável.
Continuamos a lançar o repto ao Parlamento, para que aprove as medidas de prevenção que o governo, reiteradamente, não quer incluir na Estratégia. Perante a falta de ambição do Governo, a responsabilidade é do Parlamento.
Que proteção de denunciantes?
Uma nota para aquilo que tudo indica ser uma autêntica perseguição a um funcionário da Autoridade Tributária que, no livre exercício da sua atividade associativa, ajudou a realizar um documento que alertava o fisco para os riscos de fraude fiscal na venda das concessões de barragens transmontanas da EDP aos franceses da Engie.
Não se entende este comportamento persecutório e intimidante da Autoridade Tributária, que investiga um cidadão e um movimento cívico, em vez de investigar o negócio que esse próprio movimento denunciou.
É mesmo esta a proteção de denunciantes que o Governo propõe?