Pecado capital da Estratégia Nacional de Combate à Corrupção mantém-se

A conferência Estratégia Nacional de Combate à Corrupção 2020/2024 – Balanço final, promovida pelo Ministério da Justiça, reforça o pecado original desta estratégia: os meios e objetivos de atuação previstos não se compadecem com as abordagens e finalidades expressamente assumidas.

O sobredito evento é prova disso, destacando-se por duas evidentes particularidades: todos os temas discutidos eram de ordem “normativa”, grosso modo, criminal; e, com exceção de um, todos os oradores eram juristas (lista aqui), incluindo a própria Ministra da Justiça, et pour cause.

Apesar disso, pode considerar-se que foi um evento positivo, pela discussão séria envolvida e pela prossecução de uma estratégia de combate à corrupção, medida que há muito reclamamos e que há um ano foi formalmente exigida, pela Transparência e Integridade, através de petição dirigida à Assembleia da República, assinada por mais de 8.500 cidadãos.

Em concreto, os temas dos painéis foram os “Programas de Cumprimento Normativo”, a “Dispensa da pena”, “Acordos sobre a pena aplicável” e “A Criminalização do Enriquecimento Ilícito”. Pareceu uma conferência para juristas com balanço final criminalista. Ora, uma ENCC não é reduto do Direito, da Justiça, do Governo, nem do Estado, como brevemente procuraremos evidenciar.

Trata-se de uma estratégia que reclama uma abordagem “holística” e “sistémica”, por um lado; e que pretende “atuar a montante do fenómeno” e que “centra-se essencialmente na prevenção dos fenómenos corruptivos” (pp. 7 e 15, respetivamente), por outro, com a agravante de se saber que o direito penal é a ultima ratio de intervenção dos poderes do Estado. Dada a sua vocação punitiva e, portanto, repressiva, chegamos a uma das primeiras contradições do desenho desta estratégia, que já fora invocada nos contributos da TI-PT entregues no período da consulta pública.

A corrupção não é um domínio da “Justiça”, tão-pouco é um problema meramente “legal” e de “juristas”: é uma pandemia cívica e social, sistémica e cultural, que ataca recursos públicos; invade e captura instituições e indivíduos; destrói a confiança pública; arrasta empresas e empresários, ou para a falência ou para práticas ilícitas de sobrevivência; aprofunda desigualdades; promove maus valores tráficos de influências; afunda talentos e empreendimentos; e corrói valores que sustentam qualquer vivência pacífica e fértil que aspire a usufruir de paz social, segurança e bem-estar.

Numa palavra, a corrupção empobrece os portugueses e o país. Pior, descredibiliza, desconfia e desilude tudo e todos, armas mortíferas dos nossos sonhos e liberdades quando brandidas nas mãos de populistas e extremistas. O discurso demagogo anti-corrupção é tão ou mais grave que a inação e ineficácia do combate democrático contra a corrupção.

Por isso, uma estratégia nacional contra a corrupção não é um problema dos “outros” (a final, quem são se não cada um de nós?), nem dos políticos, do Estado ou do Governo. É de todos, é coletivo, é dos “críticos” e dos “institucionais”, é dos “especialistas” e do “cidadão comum” e, sem esta representatividade, não há estratégia que resista. A corrupção é um problema de todos nós, nosso, nacional. E, para deixar de o ser, tem de ser elevado a desígnio institucional.

Por isso, defendemos que a estratégia deve ser verdadeiramente estratégica, i.e., definir prioridades com seleção de medidas e definição de padrões de conduta e integridade altamente eficazes na eliminação das causas de corrupção; política, não jurídica ou governamental; democrática, debatida e esmiuçada na casa da democracia; inclusiva, envolvendo de forma diversa e efetiva todos os cidadãos, partidos e demais agentes cívicos, sociais e económicos, públicos e privados; e levada a sério, por todos estes.

Como? Há um caminho curto, mas contínuo, para começar: primeiro, identificar as principais causas da corrupção; segundo, definir prioridades alinhadas com estas causas; terceiro, alocar um pacote financeiro substantivo para implementar aquelas prioridades, com vista a dotar instituições e agentes; quarto, toda implementação da estratégia e respetivos agentes poderem ser escrutinados por qualquer cidadão e responsabilizados pelos seus atos.

Para mais, ver os nossos contributos. A Transparência e Integridade estará disponível e colaborará sempre no combate à corrupção e promoção da boa governação em Portugal.

Nuno Cunha Rolo, vice-presidente da Transparência e Integridade