Beneficiários Efetivos: um ano depois da decisão do Tribunal de Justiça da União Europeia, fica claro que a abordagem precisa ser harmonizada
Há exatamente um ano que jornalistas e organizações da sociedade civil enfrentam desafios no acesso a informações sobre os verdadeiros beneficiários efetivos de empresas em toda a União Europeia (UE).
O acesso que tinha sido garantido pela 5ª Diretiva da UE contra o Branqueamento de Capitais (AMLD5), está agora limitado em muitos Estados-membros desde a decisão de novembro de 2022 do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE). A decisão anulou as disposições da AMLD5 que exigiam o acesso público a informações sobre os beneficiários efetivos, como meio de prevenir e detetar o branqueamento de capitais e infrações subjacentes.
No entanto, e apesar desta decisão, os juízes foram inequívocos ao afirmar que os jornalistas e as organizações da sociedade civil têm um papel a desempenhar e, como tal, devem ter acesso a informações sobre os verdadeiros indivíduos por trás das empresas da UE.
É sempre bom lembrar que os registos de beneficiários efetivos em toda a UE permitiram que jornalistas e ativistas detetassem os conflitos de interesses do antigo primeiro-ministro checo, os bens ocultos de pessoas politicamente expostas da América Latina e das elites russas sancionadas, entre outros.
A avaliação que a Transparency International (TI) faz da acessibilidade dos registos de beneficiários efetivos na UE revela que, em 13 dos 27 Estados-Membros, os jornalistas e os representantes da sociedade civil não podem aceder à informação ou têm de cumprir requisitos muitas vezes complexos para provar o seu interesse legítimo.
Imediatamente após a decisão do TJUE, oito países suspenderam o acesso público aos seus registos, incluindo o acesso de jornalistas e da sociedade civil. Desde então, alguns destes países implementaram diferentes sistemas para permitir aos jornalistas e à sociedade civil aceder aos dados sobre os beneficiários efetivos, mas as abordagens variam muito. Outros – como Chipre, Malta e os Países Baixos – têm negado consistentemente o acesso, mesmo que os jornalistas e a sociedade civil demonstrem o seu interesse legítimo.
Por todas estas razões, e no entender da TI, é preciso uma abordagem harmonizada. Não é a primeira vez que os Estados-Membros necessitam regular os interesses legítimos, por exemplo. No âmbito da 4.ª AMLD da UE, os registos de beneficiários efetivos não eram acessíveis ao público, apenas àqueles que pudessem demonstrar um interesse legítimo. Na altura, isto levou a uma implementação muito diversificada e a desafios, em particular para os jornalistas e organizações da sociedade civil que tentavam aceder à informação.
Infelizmente, o compromisso dos governos da UE no combate ao branqueamento de capitais também varia entre os vários Estados-membros. Alguns países fizeram apenas o mínimo, cumprindo apenas os requisitos da UE ao implementar e fazer cumprir as disposições contra o branqueamento de capitais. Da mesma forma, o reconhecimento (e a apreciação) da importância dos jornalistas e das organizações da sociedade civil na luta contra o branqueamento de capitais, tal como reconhecido pelo acórdão do TJUE, também varia muito entre os Estados-Membros. Para esse efeito, existe o risco de que, se os Estados-Membros tiverem um amplo poder discricionário para decidir quando os jornalistas e a sociedade civil têm interesse legítimo, possam ser demasiado conservadores na sua abordagem. O acesso decidido caso a caso pode dar aos governos a oportunidade de proteger determinados indivíduos e empresas ou de retaliar determinados jornalistas.
A falta de uma abordagem harmonizada também pode levar à arbitragem regulamentar. Alguns Estados-Membros podem restringir o acesso a jornalistas e à sociedade civil como forma de atrair investimentos daqueles que procuram setores empresariais opacos. Ao fazê-lo, estes Estados-Membros colocarão toda a União em risco. Não podemos permitir que as portas da UE sejam reabertas a indivíduos de alto risco que tirarão partido da reputação das empresas da UE para fazer negócios, investir e movimentar fundos suspeitos.
Como está a situação em Portugal?
Portugal ainda está longe de cumprir com as suas obrigações em matéria de identificação dos Beneficiários Efetivos. Apesar de ter um registo centralizado de beneficiários efetivos, Portugal encontra-se entre os Estados-membros da União Europeia que, de uma maneira ou de outra, limita o acesso a essa informação.
O nosso país apenas disponibiliza o acesso ao registo a quem conseguir demonstrar interesse legítimo ou a finalidade da informação obtida através da pesquisa. Além disso, o acesso ao registo é dado através de um sistema eletrónico de identificação apenas disponível a cidadãos ou residentes de alguns países europeus.
No caso português, o acesso ao Registo Central do Beneficiário Efetivo (RCBE) faz-se através de leitor de cartão de cidadão, da Chave Móvel Digital ou certificado digital que comprove que o utilizador é um advogado, solicitador ou notário. Esta limitação dificulta a pesquisa na base de dados portuguesa, o que faz com que o registo centralizado nacional não cumpra os requisitos da 5ª Diretiva da UE contra o Branqueamento de Capitais (AMLD5).
A TI Portugal também se juntou à TI, em maio deste ano, subscrevendo uma carta aberta à Comissão Europeia (CE), pedindo que esta apoiasse as disposições propostas pelo Parlamento Europeu sobre o acesso aos Registos de Beneficiários Efetivos.
Nesta carta, a TI e restantes organizações signatárias pediram à CE que apoiasse, de forma explícita, o acesso aos Registos de Beneficiários Efetivos por jornalistas, organizações da sociedade civil e instituições de ensino superior, tal como proposto pelo Parlamento Europeu (PE).
Sabe mais sobre Transparência dos Beneficiários Efetivos e o trabalho que temos vindo a desenvolver aqui.