Corrupção e Direitos Humanos
A 9 de dezembro, o movimento de ONG anti-corrupção Transparency International de que fazemos parte assinalou mais um Dia Internacional contra a Corrupção, na sequência da adoção da Convenção das Nações Unidas aprovada em 2003.
Nesse mesmo dia, os Estados Unidos, anfitriães da primeira Cimeira pela Democracia, destinada a combater o avanço de regimes autocráticos, revelavam a lista de indivíduos e empresas sujeitos a sanções por atos de corrupção e violações graves dos Direitos Humanos.
Nessa lista estão três nomes de angolanos conhecidos em Portugal pelas piores razões – Isabel dos Santos, o General Leopoldino Fragoso do Nascimento (Dino) e o General Manuel Hélder Vieira Dias Júnior (Kopelipa) –, membros destacados da cleptocracia de Angola que, ao longo dos anos, têm utilizado o nosso país para canalizar e branquear avultadas somas de dinheiro desviadas do erário público.
Num comunicado público, assinado em conjunto com a Friends of Angola e a Transparency International, aplaudimos a decisão dos Estados Unidos, lembrando o papel facilitador de Portugal e pedindo a instituição de Regimes Globais de Sanções em matéria de Direitos Humanos também na União Europeia.
Como faz notar um estudo recente da Chatam House, a Democracia e o Estado de Direito estão atualmente em risco também por força da deficiente implementação dos mecanismos de prevenção de fluxos financeiros ilícitos e de esquemas de branqueamento de capitais, já que o aumento da riqueza cleptocrática parece ser diretamente proporcional ao enfraquecimento das instituições nacionais e do Estado de Direito nas nações de origem.
Dito de outro modo, os regimes autocráticos alimentam-se da corrupção e da desagregação das instituições minadas pela corrupção, por via da ação consistente de facilitadores profissionais – habitualmente sedeados em capitais financeiras, como Londres, ou em territórios com fraca regulação e supervisão como Portugal – ou da possibilidade de aquisição de residência (senão até de nacionalidade) através de esquemas de investimento como os Vistos Gold.
Os autores deste estudo defendem que deve criar-se um ambiente hostil para os cleptocratas do mundo, alicerçado no desenvolvimento de uma estratégia anti-cleptocrática assente no robustecimento das disposições internacionais de prevenção do branqueamento de capitais, nomeadamente relativas a Pessoas Politicamente Expostas (PEP), mas igualmente na utilização mais frequente de regimes sancionatórios, como o recém-aprovado Global Anti-Corruption Sanctions Regulations 2021, que, à semelhança do US Global Magnitsky Act, agiliza a punição de cleptocratas e facilitadores da corrupção e da lavagem de dinheiro através da recusa de emissão de vistos e congelamento de ativos.
Mais relevante, estes regimes abrem espaço para a formalização de petições de indivíduos, organização da sociedade civil e quaisquer outras partes interessadas.
Como temos defendido, o envolvimento de organizações da sociedade civil em ações de litigância estratégica para acelerar os processos de recuperação de ativos e apoiar as vítimas da corrupção é essencial, porque a defesa dos Direitos Humanos não pode ficar refém da morosidade dos procedimentos ou de pedidos de cooperação judicial que podem facilmente ser rejeitados.
A corrupção é tanto uma ofensa como uma violação dos Direitos Humanos e tem, como se torna evidente a cada dia que passa, um impacto transnacional.
Por isso é que organizações de âmbito nacional, como a TI Portugal, se envolvem cada vez mais no esforço global de luta contra a corrupção e de recuperação de ativos, denunciando a implementação deficiente de políticas de combate à corrupção, aos fluxos financeiros ilícitos e ao branqueamento de capitais em Portugal e na Europa.
Um país que está entre os cincos países mais seguros do mundo tem responsabilidades acrescidas em garantir que a violência não se eterniza noutros locais do globo, sobretudo daqueles que fazem parte da geografia de afetos de tantos portugueses, como são alguns dos países da CPLP.
Olhando para os dados do Corruption Perception Index, publicados anualmente pela Transparency International, em janeiro a pontuação da CPLP é preocupante, sobretudo considerando as revelações sobre os negócios obscuros de Isabel dos Santos e respetiva entourage que sustentou o regime de José Eduardo dos Santos durante quase quatro décadas ou os tentáculos de Teodoro Obiang, o ditador mais antigo de África, que não deixam dúvidas sobre o papel determinante dos facilitadores que Portugal impunemente exporta.
Este é um negócio muito lucrativo para quem dele beneficia diretamente, mas que se está a tornar demasiado caro para os portugueses. Veja-se, a propósito, o caso da Efacec, nacionalizada na sequência do escândalo Luanda Leaks e que se estima poderá custar mais de 300 milhões ao Estado português.
Sobretudo, é um negócio que tem sido mortal para as populações, principalmente os grupos mais vulneráveis, nesses países-irmãos.
Karina Carvalho
Diretora Executiva da Transparência Internacional Portugal