Entidades do Estado não protegem denunciantes
Mais de 6 meses após a entrada em vigor, o Regime Geral de Proteção de Denunciantes de Infrações (RGPDI) ainda não está implementado no setor público.
De acordo com uma notícia avançada pelo Jornal de Negócios, nem todas as entidades estatais obrigadas dispõem de um canal de denúncias interno, tal como previsto na lei aprovada em dezembro de 2021, e noutras esta ferramenta está ainda a ser operacionalizada, ou seja, não se encontra em pleno funcionamento.
Há ainda casos, como o dos Tribunais Administrativos e Fiscais, em que, contrariando a lei, estão apenas a ser usados os contactos gerais de correio eletrónico e postal para a receção das denúncias.
Nuno Cunha Rolo, Presidente da TI Portugal, considera que o Estado deveria ter implementado o RGPDI em simultâneo com a entrada em funções do Mecanismo Nacional Anticorrupção (MENAC), a quem compete a fiscalização deste Regime, afirmando que “o Estado não fez as coisas como deveria fazer”. Para Nuno Cunha Rolo, existe uma “mentalidade de fazer as coisas para não estar em falta”, não atendendo “à sua boa implementação”.
Ao abrigo do Regime Geral de Prevenção da Corrupção, o MENAC apenas poderá começar a aplicar sanções a entidades que se encontrem em incumprimento a partir do próximo mês de junho. “Infelizmente, colocam-se primeiro as regras em vigor antes das organizações que têm obrigação de as vigiar e fiscalizar estarem em funcionamento. É um mau princípio. Tem de ser feito antes, para as pessoas levarem isto a sério. Porque, se não, não é mais do que uma checklist que os dirigentes sentem necessidade de cumprir, de pôr o ‘X’ ou o visto, e pouco mais”, acrescenta Nuno Cunha Rolo.
Dois meses antes da entrada em vigor do RGPDI, a TI Portugal alertou para o facto de pouco ou nada se saber sobre as medidas que estavam a ser postas em prática para garantir a aplicação da lei nas entidades obrigadas, nomeadamente no setor público. Oito meses volvidos desde o início da implementação do RGPDI, torna-se evidente que existem falhas na sua implementação, ao nível das estruturas do Estado, e que o MENAC já deveria estar a fazer o que lhe compete, fiscalizando a implementação deste Regime, bem como os incumprimentos daí decorrentes.
Por exemplo, no Ministério da Saúde, alega-se que a Secretaria-Geral não está obrigada a ter canal de denúncias próprio por ter menos de 50 trabalhadores, embora esteja contemplada na Lei n.º 93/2021 (Secção II, Artigo 8º) a sua obrigatoriedade para “cada Ministério e área governativa”.
Para a TI Portugal, o processo de transposição da Diretiva de Proteção de Denunciantes 2019/1937 não foi transparente nem inclusivo, não tendo existido uma reflexão sobre a operacionalização da sua implementação, em especial nas instituições do Estado. Além disto, a TI Portugal também criticou a lei portuguesa por apenas garantir os padrões mínimos da Diretiva.
Exatamente por esse motivo, a Transparency International, a Whistleblower International Network e a Comissão Europeia fizeram um apelo aos Estados-membros no sentido de adotarem um sistema de proteção mais abrangente e que fosse além dos padrões mínimos inscritos na Diretiva.
Proteger quem Denuncia
A 20 de dezembro de 2021 foi publicada a Lei n.º 93/2021, que estabeleceu o Regime Geral de Proteção de Denunciantes de Infrações (RGPDI), entrando em vigor a 20 de junho de 2022, transpondo para a legislação nacional a Diretiva Europeia 2019/1937 do Parlamento e Conselho Europeus, relativa à proteção das pessoas que denunciam violações do direito da União.
Na TI Portugal continuaremos a acompanhar as condições de proteção asseguradas em Portugal, quer avaliando os termos da transposição da diretiva e apresentando recomendações para que se corrijam as falhas identificadas, quer monitorando a sua eficácia prática.