Quase 90% dos portugueses acredita que há corrupção no Governo e mais de 50% considera que o Governo está a falhar na luta contra a corrupção

O Global Corruption Barometer, divulgado esta terça-feira pela Transparency International, revela que a corrupção é um tema central nas preocupações dos cidadãos europeus. Os resultados da pesquisa de opinião, representativa ao nível nacional e europeu, e que entre outubro e dezembro de 2020 inquiriu mais de 40 mil pessoas em 27 países da Europa, não deixa margem para dúvidas: quase um terço dos europeus pensa que a corrupção piorou significativamente no seu país, e quase metade afirma que o seu governo está a fazer um mau trabalho no combate à corrupção.

Em Portugal, 88% das pessoas acreditam que existe corrupção dentro do próprio governo e 41% pensam que aumentou nos últimos 12 meses. No que ao combate à corrupção diz respeito, 60% da população portuguesa diz que o governo é ineficiente e 63% defende que o governo sofre influências indevidas de pessoas com grande poder político e/ou económico.

“Estes resultados deveriam ser um alerta para os governos nacionais e para as instituições da União Europeia. A corrupção está a minar a confiança do público e os decisores políticos precisam de ouvir as preocupações do público”, defende Michiel van Hulten, diretor da Transparency International EU, acrescentando que “há muito que pode ser feito no imediato para remediar estes problemas, tais como aumentar a transparência no lobbying – tanto a nível da União Europeia, como a nível nacional –, e combater a evasão fiscal. Além disso, as políticas da União Europeia para proteger os denunciantes e combater o branqueamento de capitais devem ser efetiva e rapidamente transpostas para o direito nacional”.

Deputados são os mais corruptos

Os deputados e os parlamentos nacionais são tidos como as instituições mais corruptas na Europa, e o mesmo se passa em Portugal, onde 27% das pessoas diz que a maioria dos deputados são corruptos ou facilitadores da corrupção. Quanto aos membros do governo, 16% acredita que são corruptos, e 15% refere que o primeiro-ministro está envolvido em corrupção.

De acordo com Susana Coroado, Presidente da TI Portugal, “a falta de confiança na integridade das instituições e a crença de que o poder político está capturado por interesses privados é incontestável e preocupante para a democracia. Urge pois uma boa e transparente aplicação dos códigos de conduta do governo e dos deputados, bem como a regulação do lóbi que garanta eficácia e transparência”

O setor privado também não é visto com bons olhos: 25% dos europeus acha que os administradores de grandes empresas estão envolvidos em corrupção e 23% diz o mesmo dos banqueiros. No nosso país, este número sobe para 33%.

Corrupção no acesso à saúde

Quase três em cada dez residentes na União Europeia relataram já ter pago um suborno ou feito uso de ligações pessoais e/ou familiares para aceder a serviços públicos. Isto equivale a mais de 106 milhões de pessoas no espaço europeu. Em Portugal, apenas 3% das pessoas reconheceram ter pago algum tipo de suborno, mas 48% usaram ligações pessoais e/ou familiares para aceder a serviços públicos.

Quanto aos cuidados de saúde, apesar de apenas 6% das pessoas admitir ter pago um suborno para aceder a serviços de saúde, 29% dos residentes da União Europeia dizem ter usado ligações pessoais e/ou familiares para obter cuidados médicos. Em Portugal, este número chega a quase metade (46%).

Estas são conclusões particularmente preocupantes no atual contexto pandémico. Não são apenas os que sofrem com o COVID-19 que necessitam de apoio médico. Governos em toda a União Europeia estão a implementar planos de vacinação para proteger os mais vulneráveis, destinando milhares de milhões de euros para o pós-pandemia, através dos respetivos planos de recuperação e resiliência. A corrupção ameaça tudo isto com consequências bastante graves.

“A União Europeia é frequentemente vista como um bastião de integridade, mas este relatório demonstra que a Europa continua vulnerável à corrupção”, diz Delia Ferreira Rubio, presidente da Transparency International, para quem, “durante uma crise de saúde, a utilização de ligações pessoais para aceder aos serviços públicos pode ser tão prejudicial como o pagamento de subornos. Há vidas que podem perder-se quando pessoas recebem uma vacina COVID-19 ou tratamento médico antes das pessoas com necessidades mais urgentes porque fizeram uso de ligações pessoais. É crucial que os governos em toda a União Europeia redobrem os esforços para assegurar uma recuperação justa e equitativa da pandemia em curso”.

Contratação pública pouco transparente causa desconfiança

Segundo o Barómetro Global da Corrupção, mais de metade dos europeus pensa que as regras da contratação pública não são seguidas à risca pelos governos. Pelo contrário, acreditam que os contratos públicos são atribuídos através de subornos e ligações pessoais entre governantes e empresários.

Em Portugal 63% das pessoas entende que a administração central e local se encontra capturada por interesses empresariais e privados. Além disso, 74% dos portugueses acreditam que as grandes empresas fogem ao pagamento de impostos.

Sociedade civil mobilizada contra a corrupção

Para a Transparency International, rede mundial de ONGs anti-corrupção representada no nosso país pela Transparência e Integridade, Associação Cívica (TI Portugal), os resultados do inquérito são claros sobre o envolvimento da sociedade civil na luta anticorrupção: quase dois terços (64%) dos europeus acreditam que os cidadãos podem fazer a diferença no combate à corrupção, sendo que em Itália, Portugal e Irlanda, este número ultrapassa os 80% da população.

Nas palavras de Karina Carvalho, Diretora Executiva da TI Portugal, “o envolvimento pessoal de cada uma e cada um na luta anti-corrupção é crítico, e é muito significativo que no nosso país cada vez mais pessoas se mobilizem contra a corrupção e o mau uso de recursos públicos. Só cidadãos informados e ativamente envolvidos neste combate podem exigir e responsabilizar os governos para que estes façam mais e melhor, impedindo que a corrupção prospere e mitigando os seus impactos”.

Por uma verdadeira proteção de denunciantes

Numa altura em que está em curso a transposição da Direita Europeia de Proteção de Denunciantes, a situação em Portugal é preocupante: 58% das pessoas temem ser alvo de retaliação em caso de denuncias de corrupção.

A existência de canais apropriados para a denúncia de episódios de corrupção é fundamental. No entanto, muitos denunciantes ainda enfrentam várias formas de retaliação, como o despedimento, processos em tribunal ou ofensas à integridade física, pelo que importa saber de que forma se assegurará a correta implementação da lei em Portugal, assegurando que ninguém é excluído dos mecanismos de proteção.