O tempo das lideranças carismáticas e dos autarcas de longo curso está a chegar ao fim. Os dinossauros autárquicos estão mesmo em vias de extinção
Por João Paulo Batalha, presidente da Transparência e Integridade
A tomada de posse de uma nova vereação camarária é sempre o início de um ciclo. Mas na noite da última quarta-feira, 25, quando tomaram posse os novos presidente e vereadores da Câmara Municipal de Odivelas, a Transparência e Integridade, Associação Cívica (TIAC) esteve presente para marcar o final de uma era. Fomos lá especificamente para presentear o vereador eleito Fernando Seara com o Dinossauro de Ouro, na sequência da campanha dinamizada pela TIAC e pelo Má Despesa Pública, que lançou aos portugueses o desafio de escolherem o seu dinossauro favorito. Seara foi o mais votado na iniciativa que coincidiu com a campanha às eleições autárquicas. O homem que presidiu à Câmara de Sintra de 2001 a 2013, quando se candidatou à Câmara de Lisboa, e que em 2017 concorreu em Odivelas, recebeu um terço dos mais de 4 mil votos recolhidos no Dinossauro de Ouro.
O objetivo de uma campanha eleitoral é evidente: eleger o candidato. O objetivo da campanha Dinossauro de Ouro foi igualmente claro: perguntar “Porquê sempre os mesmos?”. Como dissemos na altura, a existência destes candidatos recorrentes, vários dos quais (como é o caso de Seara) são uma espécie de candidatos profissionais à Câmara que estiver mais à mão, mostra a incapacidade do sistema político renovar quadros e refrescar lideranças. E aqui, os partidos têm de aceitar a principal quota parte de responsabilidade, já que muitos dos candidatos ditos “independentes” são na verdade dissidentes das estruturas partidárias – e vários destes são dinossauros eles próprios. A abertura que a lei deu às candidaturas de movimentos independentes de cidadãos originou antes movimentos dependentes de cortesãos, gente formada no poder – e no poder viciada – que não sabe, não pode ou não quer dar lugar à geração seguinte de lideranças. É a democracia que falha na sua renovação, na sua vitalidade.
E, nessa métrica, a resposta do eleitorado foi uma vitória. Dos 40 dinossauros candidatos identificados pela Transparência e Integridade e o Má Despesa Pública, só oito foram eleitos. Isto inclui, claro, um dos mais notórios dinossauros autárquicos, Isaltino Morais em Oeiras, que à longa estadia na presidência daquele município somou uma mais curta estadia no Estabelecimento Prisional da Carregueira, onde cumpriu pena por fraude fiscal e branqueamento de capitais, crimes cometidos enquanto era autarca – a condenação por corrupção acabou prescrita entre as várias dezenas de recursos com que Isaltino entreteve o sistema de Justiça durante anos. Claramente há trabalho a fazer, mas que apenas 20% dos dinossauros candidatos – todos eles famosos nas suas terras – tenham sido eleitos mostra que o eleitorado exige esta renovação.
Ainda que a classe política recuse clarificar a lei de limitação de mandatos – alvo, em 2013, de uma interpretação criativa que permite a transumância dos dinossauros para outras Câmaras – ficou claro que os cidadãos estão a ultrapassar os políticos na exigência de renovação, transparência e participação. Os dinossauros, líderes carismáticos do passado, já não servem para as exigências da gestão autárquica do futuro, onde o que há a fazer não é cortar fitas e inaugurar obra, mas promover a participação cívica, o envolvimento democrático dos cidadãos na coisa pública e decidir em conjunto, de forma informada e empenhada, o rumo da comunidade.
O dinossauro que Fernando Seara não quis receber é um galardão de reconhecimento pelo papel dos autarcas históricos que estruturaram o poder local democrático em Portugal. Mas é um galardão de reconhecimento com votos de uma reforma descansada e de uma extinção dócil para os dinossauros autárquicos. O futuro não é esse; é uma democracia mais ágil, menos clientelar, mais participada, em que ao carisma do chefe se sobreponha a clareza da cidadania. Esse sim, é um novo ciclo que vale a pena celebrar.