Bazuca europeia e o Pacto de Integridade: uma oportunidade única de melhorar os processos de contratação pública
Publicámos, há umas semanas, o Global Corruption Barometer, que demonstra que quase dois terços dos cidadãos da União Europeia acreditam que a corrupção é um problema no seu país, naquele que é um dos maiores e mais detalhados inquéritos sobre corrupção e experiências de suborno nos 27 países do espaço comum europeu.
Este é um problema real, na medida em que mina a confiança das pessoas na justiça e na integridade dos processos de contratação pública, porque, conforme explicam as conclusões do relatório, a opinião pública está preocupada com o papel do dinheiro e das ligações – as conhecidas cunhas – na adjudicação de contratos públicos.
Uma das questões colocadas às mais de 40 mil pessoas entrevistadas durante o inquérito visava saber a frequência com que as empresas utilizam dinheiro ou ligações para assegurar contratos públicos no seu país.
Os resultados não podiam ser mais reveladores: em Portugal, mais de dois terços (66%) das pessoas acreditam que tal acontece com frequência (46%) ou com muita frequência (20%).
Esta perceção é preocupante em tempos de pandemia, com os processos de contratação pública a serem facilitados para responder às necessidades, mas não é de agora. Já em 2015, um terço das empresas na União Europeia dizia ter sido prejudicado em concursos públicos devido a corrupção e mais de metade denunciavam a existência de contratos públicos feitos à medida, com critérios de seleção pouco claros e flagrantes conflitos de interesses nos júris de avaliação dos concursos públicos.
Se estas perceções não apareceram durante a crise da COVID-19, a verdade é que tão cedo não desaparecerão, ultrapassada que esteja a pandemia, a menos que algo seja feito, ainda para mais numa altura em que os países se preparam para receber fundos europeus dos respetivos planos de recuperação e resiliência.
Se a “bazuca” europeia aumenta os riscos de corrupção, não é menos verdade que também pode liderar uma mudança significativa nos processos de contratação pública, para isso haja vontade política, ou seja, se os governos se comprometerem a implementar ferramentas e mecanismos que promovam a abertura e participação da sociedade civil.
Para melhor enfrentar estes riscos, os governos precisam de melhorar a disponibilidade e qualidade dos dados de contratação pública, em conformidade com as normas globais, e assegurar a publicação atempada de toda a informação, de forma a reduzir os riscos de corrupção na atribuição de fundos públicos.
Neste campo, a criação do portal Mais Transparência é uma iniciativa bem-vinda, mas que ainda precisa de ser melhorada.
Os governos devem ainda fornecer registos acessíveis, atualizados e rigorosos sobre os beneficiários efetivos das empresas, não só para assegurar uma concorrência leal, mas também para ajudar a identificar potenciais conflitos de interesse, além de promover mecanismos de responsabilidade social para reforçar a supervisão independente dos processos de contratação pública.
Uma dessas ferramentas é o Pacto de Integridade e a sua inclusão na Estratégia Nacional Anti-Corrupção, bem como a possibilidade de virem a ser implementados novos Pactos de Integridade em Portugal, são de saudar.
A área da contratação pública é especialmente permeável a que os interesses privados se transformem em atos de corrupção em detrimento do interesse público. Por isso é fundamental complementar a boa regulamentação e a fiscalização com a vigilância cidadã e monitorização cívica.
Estamos, desde 2016, a implementar um Pacto de Integridade nas obras de conservação da Porta Conventual e da Loja e das Fachadas Poente e Norte do Mosteiro de Alcobaça. Em toda a Europa, os Pactos de Integridade já ajudaram a proteger 18 projetos em 11 países, financiados ao abrigo do orçamento da União Europeia.
O Pacto de Integridade é a ferramenta ideal para dar poder aos cidadãos, garantindo que os procedimentos se fazem de forma transparente e livres de corrupção, na medida em que reúne as autoridades contratantes, as proponentes e a sociedade civil para monitorizar um projeto específico de contratação pública. É a sociedade civil que monitoriza todo o processo e comunica as suas conclusões às autoridades contratantes, sugerindo ações que podem aperfeiçoar todo o processo.