Transparência à portuguesa

Ficámos a saber esta semana que o Governo escondeu 1.738 páginas do Plano de Recuperação e Resiliência que enviou para Bruxelas, com detalhes das reformas e investimentos, e que só publicou depois de o Expresso ter levado isso mesmo à estampa. Isto dias depois de ter lançado o portal Mais Transparência, dedicado ao escrutínio da aplicação dos fundos que a bazuca europeia vai despejar sobre Portugal. Não foi um início auspicioso.

Enquanto no Parlamento e nas redes sociais discutem quem é o pai da criança e o Governo acrescenta os documentos em falta ao portal da transparência, não podemos dizer que este comportamento do Governo nos surpreende. Aquando da consulta pública sobre a bazuca europeia, deixámos o seguinte alerta:

O documento submetido a consulta pública inclui a globalidade dos elementos da versão mais atual do Plano de Resolução e Resiliência, mas deixa de fora alguns elementos técnicos ainda em elaboração, nomeadamente os que dizem respeitos aos custos e a alguns marcos e metas, o que nos impede de tecer quaisquer considerações adicionais sobre o mérito e razoabilidade das prioridades políticas e medidas nele inscritas, dado que não são disponibilizadas as análises de custo-benefício das mesmas.

Este é um comportamento que temos notado em iniciativas similares: a limitação da capacidade de escrutínio e da participação cívica, através da “curadoria” da informação disponibilizada, isto é, através da seleção de dados e conceitos de caráter geral, baseados em “wishful thinking” e resultados esperados, em detrimento de dados específicos, nomeadamente sustentados em relatórios de execução e avaliações prévias. Esta prática reiterada consolida, na realidade, a falta de transparência para que vimos sucessivamente alertando, que impede um verdadeiro e desejado debate público.

Esta prática de transparência seletiva e falsa auscultação não serve e não nos tranquiliza quanto à boa aplicação do Plano de Recuperação e Resiliência.

O Governo tem de, por norma, publicar tudo, fazendo acompanhar os documentos técnicos de sínteses em linguagem acessível, e obedecendo às boas práticas de dados abertos, que permitam a ativistas, jornalistas e investigadores importar os dados oficiais para criarem as suas próprias ferramentas de análise e avaliação.

Porque sem informação não há prestação de contas.